Friday, August 6, 2010

Tempo do Adeus

 Vou de férias, deixo-vos mais um conto para vos deliciar na minha ausência, I will be back soon!




Adeus. Ela disse-lhe adeus. Em pontas dos pés beijou-o uma última vez. Ele olhava-a ternamente, segurou-lhe a mão, desejoso de não a largar mais.
- Não posso crer que vais mais uma vez embora. - seus olhos clementes que ela o ouvisse mais uma vez.
- Sabes que a minha vida é do outro lado do oceano. Já falámos sobre isto tantas vezes, eu não posso simplesmente virar costas.
- Porque não? O que tens a perder? - perguntou ele
- A minha independência, a minha carreira, a minha vida. Porque não vens tu comigo?
- Sabes que não posso, pelos mesmos motivos que tu.
- Então estamos conversados, nenhum de nós está em condição de abdicar, teremos que nos contentar com estes momentos fugazes em que somos tão felizes. Talvez a nossa receita seja esta, termos que estar separados para nos voltarmos a reencontrar. Vivemos de reencontros constantes.
Ele olhou-a, como amava aquela mulher. Seria capaz de viver mais dois meses ou mais separados? Ela acabou de se vestir, calçou os sapatos, deu um jeito no seu cabelo ondulado. Pegou na mala, atirou-lhe mais um beijo e saiu.
As lágrimas escorreram-lhe pelo rosto enquanto descia as escadas a correr. Sinal de fraqueza, quase que cedera ao seu pedido, quase que abandonara tudo para ficar com ele. Quase. Olhou a praia em frente. Ainda tinha algum tempo antes do seu voo. Caminhou descalça pela areia, sapatos numa mão, mala na outra. Sentiu a areia molhada nos seus pés, a brisa marítima despenteava seus cabelos. Sentou-se. Ficou olhando o mar, uma sensação de tranquilidade invadiu-a. Pensou nele. No seu sorriso, no seu olhar, no seu toque, nos seus beijos. Como iria viver sem isso tudo? Cada vez custava mais a separação. Mais dois longos meses sem se verem. Vivendo apenas de telefonemas, mensagens, caricias virtuais que não os satisfaziam. Dois meses eram apenas cerca de 60 dias. Mas porque lhe parecia tanto? Porque lhe parecia um ano? A vida pregara-lhes a rasteira de os colocar frente a frente na pior fase de ambos. Aceitaram correr o risco, mas o risco agora estava a ser demasiado pesado, demasiado custoso. Suspirou.
Não estava praticamente ninguém na praia. Era ainda muito cedo. Um casal idoso, não tinham mais que 70 anos caminhavam pela areia fora de mão dada. Ficou a contemplá-los ao longe. Invadiu-a uma nostalgia, uma certeza que provavelmente não chegaria a esse patamar da vida com ele ao lado. Não a continuar a viver este amor pela metade. Encheu-se de coragem, pegou na mala e nos sapatos...
Entrou sorrateira em casa. Ele dormia. Despiu-se. Aconchegou seu corpo ao dele. Ele acordou sentindo a sua presença.
- Então de volta? - perguntou ensonado
- Ainda me queres? - perguntou enquanto lhe beijava os lábios
- Ainda perguntas? - sorriu-lhe
Abraçaram-se. Sem promessas, sem certezas, sem nada. Apenas ele e ela. E naquele momento só isso lhes bastava. Simplesmente porque às vezes custa demais dizer-se adeus. 

Autoria: Lcarmo (Poetic Girl)

Sunday, August 1, 2010

A última Viagem

 
 
Mais uma longa viagem. Mais dois dias em viagem da sua vida. Até quando iria viver mais entre as nuvens que com os pés na terra? Dobrou cuidadosamente a roupa enquanto a colocava na mala. Estava cansada dos voos intermináveis, das escalas constantes, do adormecer numa cidade e acordar noutra totalmente diferente. Estava a perder o crescimentos dos seus filhos, estava a perder o envelhecimento do seu marido.
Esta era a sua profissão, a sua carreia, o seu sonho? Mas quanto lhe estava a custar isto tudo? Viver a maior parte dos dias afastada de quem amava? Tinha sido aliciante nos seus tempos de solteira, em que viajar ainda a conseguia surpreender, em que vibrava com a chegada a uma cidade diferente. Agora todas essas emoções se evaporaram, deram lugar à angústia de ter que deixar os seus amores sem certezas do retorno. Já não se sentia segura na profissão, o medo de não ver crescer os seus meninos, não estar ao lado do marido a faziam estar mais consciente ainda dos riscos que corria diariamente. Valeria a pena?
Caminhou descalça até ao quarto das crianças, estas dormiam sossegadas. Beijou-os ternamente, ficando a olhá-los dormir. Dormiam descansados, ignorantes da angústia que toldava o coração da mãe. Uma profissão que lhe permitia dar-lhes tudo o que era material, mas os fazia ficarem privados da única coisa que mais lhes fazia falta: o seu amor. Agradecia o marido compreensivo e dedicado que tinha. Ele era pai, ele era mãe. Havia meses em que ela estava constantemente ausente. Pensou ironicamente que muitas mulheres se queixam da ausência dos maridos, neste caso era ela a ausente. Ainda tinha bem fresco na sua memória o último Natal que ficara retida num aeroporto em New York, sem possibilidades de retorno devido às más condições climatéricas, o que chorara naquela noite. O quanto eles deste lado do oceano a tentaram animar pela chamada de video-conferência, mesmo longe foi-lhe possível assistir ao momento de abertura dos presentes.
Retornou ao seu quarto para buscar a mala. Ficou olhando seu marido que dormia sossegado. Sentou-se na berma da cama. Não queria mesmo ir. Olhou para o telemóvel, e se ligasse a dizer que se sentia indisposta? E se não fosse? Hesitou uma vez, outra vez. Viu os minutos no visor a passarem cada vez mais rápido. Aproximava-se cada vez mais a hora de partida. Encostou seus lábios no seu marido, beijando-o levemente. Vestiu o casaco, pegou na mala, estava pronta para sair.
Sentiu o telemóvel a vibrar no bolso. Olhou para o visor, era da companhia.
- Helena, já vens a caminho? - perguntou a operadora
- Não ainda estou em casa, ia sair agora.
- Houve um problema a nível das escalas de serviço, afinal não estás destacada para viajares hoje. Desculpa o transtorno mas houve um lapso no sistema.
- Ah... bem nem sabes como fico feliz com essa noticia, estava a custar-me imenso sair de casa hoje.
- Já não precisas. Volta para a cama, agora só entras a serviço próxima terça feira. Até  lá!
Desligou. Sentia-se deveras aliviada. Despiu-se e enfiou-se na cama ao lado do marido. Adormeceu.
No dia seguinte seu marido acordou-a bruscamente.
- Helena acorda! - chamou-a
- Hmmm? Que se passa? - perguntou ensonada
- Não ias fazer o voo para os estados Unidos?
- Sim ia mas ligaram-me a dizer que tinha sido engano nas escalas e eu não estava destacada.
- Acabei de ver nas noticias, houve um acidente. Várias mortes... - seu marido olhava-a emocionado
- O voo? O meu voo? - perguntou enquanto uma sensação de pânico a invadia
- Sim querida, sim! Quis o destino que não estivesses lá dentro, sabe-se lá o que te podia ter acontecido.
- Meu Deus! - começou a tremer involuntariamente. Estava em choque! Lembrou-se da sua angústia na noite anterior, lembrou-se do seu receio em ir. Lembrou-se do alívio que sentira por não estar destacada.
Deixou que seu marido a tomasse nos seus braços, enquanto chorava. Chorava pela ironia do destino que a poupara a uma eminente morte, mas colocara outra pessoa em seu lugar. Pensou na crueldade em que põe e dispõe de vidas, que não passámos todos de bonecos à disposição do destino....

Autoria: Lcarmo (Bela)
Desafio Fábrica de Letras
Tema: UMA LONGA VIAGEM