ELA
O dia aproximava-se rapidamente. Passei a semana completamente eufórica perante a perspectiva do fim de semana que se aproximava. Tal era o meu estado de ansiedade que acabei descurando o lado profissional, acabando mesmo por ser chamada á atenção pelo chefe. Com razão claro. Decidi então acalmar os ânimos e concentrar-me nas minhas funções. A passo e passo sexta feira ia chegando.
Na sexta fomos então buscar Sofia. O meu coração quase que saía pela boca, batia descompassado. Helder ria-se de mim. "Estás a rir-te de mim?" - perguntei eu.
- Se visses o teu reflexo num espelho também ias sorrir. Pareces uma adolescente a quem prometeram um presente... ora róis as unhas, ora colocas o cabelo por detrás das orelhas, ora tiras o cabelo... sossega... é só uma menina...
- Não é uma menina qualquer - retorqui - é a tua menina...
Segurou -me a mão enquanto conduzia pela cidade. Tráfego de sexta feira á noite era sempre caótico. Os pais de Mariana viviam na periferia. numa pequena aldeia, a 5 km da cidade. Nunca uma viagem me pareceu tão longa. Ainda por cima tivemos que voltar para trás para buscar a cadeirinha que o Helder tinha guardada na garagem, com a pressa de sairmos esquecemo-nos completamente. Ele parecia bastante calmo. Acho que nós mulheres temos tendência para viver as coisas mais emocionalmente que os homens. Se receava o encontro iminente nada se fazia notar no seu comportamento. Olhei-o de soslaio. O seu perfil era tão bonito, seus traços serenos. Dei comigo a divagar nos pensamentos. Se me tivessem dito que encontraria algum homem que me completasse tanto quando ele me completava não teria acreditado. Sempre fui muito céptica nestas questões do amor. Mas o amor também não tinha sido bom para mim, só me tinha trazido sofrimento. Ouvi de repente uma gargalhada que me assustou.
- Que susto! - balbuciei eu corando
- Dava tudo para saber em que pensas...
- Não estava a pensar em nada de especial...
- Será que não?
- Não não. - e desviei o olhar para o outro lado. Havia alturas em que me sentia um bocado embaraçada na sua presença.
Chegamos ao destino. Ele estacionou o carro em frente à casa. Era uma casa grande, com um jardim igualmente enorme. Bonito lugar para criar uma criança pensei. Helder saiu do carro, eu não sabia muito bem que fazer, deixei-me estar. Ele bateu no vidro.
- Não vens? - perguntou.
Hesitei. Ir ou não ir. Decidi por ir. Corri atrás dele para o conseguir apanhar. Tocamos á campainha. Aguardamos alguns minutos para que alguém viesse abrir a porta. Do outro lado da porta estava um senhor que aparentava não ter mais do que 50 anos. Cabelo ligeiramente grisalho, uns olhos claros, que contrastavam com a camisa que trazia vestida.
- Olá Helder entra. A Ana está a terminar de arranjar a menina.
Indicou - nos para o seguirmos até á sala. Eu senti que estava a ser alvo da curiosidade. Desviei o olhar pois estava a sentir - me bastante incomodada. Eles conversavam entre si, conversas tipicamente cordiais, daquelas que se tem para entreter o tempo. Observei a sala em meu redor, decorada com um extremo bom gosto, cores suaves, claras. O meu olhar perdeu - se por completo nas imensas prateleiras cheias de livros. Quis tocá-los. Sempre tive um fascínio enorme por livros. Quando dei por mim estava muito próxima de umas das prateleiras, não resistindo a ler os títulos das obras,
- Gosta de ler? - ouvi uma voz atrás de mim
- Sim gosto muito. - Respondi corando ligeiramente
- A minha filha também gostava. Esses livros eram todos dela. - o seu olhar escureceu por momentos e eu enterneci-me pela dor daquele pai que tinha perdido a sua filha. O silêncio pesava, eu ali me encontrava sem saber muito bem o que dizer.
- A sua neta irá encontrar neles um bocadinho da mãe.
- Ela já é tão parecida com a mãe! Sim espero que tenha herdado isso da mãe, e não seja ali como o Helder que não gosta nada de livros...
Rimo-nos os três. Desanuviou um bocado o ambiente.
Ouvimos um barulho de passos pequeninos...
- Olha quem aqui está, a princesa!
Na porta sala, pela mão da sua avó encontrava-se Sofia. A bebé sorriu quando reconheceu o seu pai. A emoção era demasiada para mim. Uma lágrima escorreu por minha face, lágrima essa que tratei logo de esconder. Sofia era pequenina, reconchuchuda como todos os bebés. Um rosto redondo, onde se salientava uns olhos pretos, grandes. Seu cabelo cacheado moldava - lhe o rostinho.
- Papá! - disse enquanto se agarrava ao Helder.
Foi emocionante assistir a este momento. Senti o olhar de alguém pousado em mim. Ergui o olhar, encontrei do outro lado uns olhos frios, distantes que me mediam atentamente. Sabem aquela sensação de que estamos a ser avaliados? Da ponta do cabelo á ponta dos pés. Aquele olhar arrepiou -me, era frio, desprovido de emoção. Não tem nada cara de avó, pensei. A minha ideia de avó era de uma senhora de rosto afável. cabelinho cinzento, olhar terno. Esta avó mais parecia saída de um catálogo de moda. A menina estava muito bem estimada. A roupa era bem cuidada, demonstrando que dinheiro ali não deveria ser problema.
- Olá Helder, estou a ver que trouxeste companhia. Não me vais apresentar a tua amiga?
Helder olhou para mim, depois para Ana. A menina já se encontrava nos seus braços.
- Não é minha amiga - respondeu ele - É a minha namorada.
O silêncio caiu como uma cortina sobre nós. Ali estávamos quatro adultos e uma criança. A menina olhava-nos a todos curiosa, principalmente observava-me. Sorriu. Sorri de volta. Quis se soltar do colo do pai, Helder pousou-a no chão e ela veio a correr para os meus braços. Senti aquele corpinho pequeno junto a mim, o meu instinto me dizia para agarrar na menina e fugir para bem longe daquele ambiente pesado.
- E tu dizes - me isso com o ar mais natural do mundo? - perguntou Ana, a sua face corando de fúria
- Como queria que lhe dissesse? - retorquiu o Helder enquanto que pegava no saco da menina - Ana, com todo o respeito esse comportamento não é próprio.
- Não é próprio? A minha filha mal se foi e tu já arranjas-te outra? Era esse o amor que lhe tinhas?
- Ana chega - implorou o Pedro - Este não é o lugar nem o momento para essas discussões. Deixa - os ir.
- Não a minha neta não vai a lugar nenhum! - ameaçou enquanto arrancava o saco das mãos de Pedro.
- Ana, por favor, não está a ser razoável. A vida continua. A Mariana partiu, com muita dor minha, mas eu e a minha filha temos direito a reconstrui a nossa vida. Sem Mariana.
- Até podes reconstruir a tua vida da forma que quiseres, como quiseres. Mas a minha neta não sai daqui!
Pedro caminhou em direcção á esposa. Ela tremia descontrolada. Eu segurava a menina nos meus braços, que começou a chorar com a gritaria. Encostei-a a mim.
- Shhh, está tudo bem querida. Shhhh sossega - ia -lhe dando palmadinhas nas costas
Saíram ambos da sala, Pedro conseguiu arrastar a sua mulher consigo. Helder aproximou-se de nós, abraçou-nos às duas, seus lábios tocaram a face rosada de Sofia e a seguir a minha.
- Isto não vai ser fácil - disse - me. Aquiesci, era o inicio de uma batalha, em que só uma das partes poderia sair vencedora. Encostei a menina mais a mim. Pegamos nas coisas e saímos. Com o coração apertado, mas saímos.
O dia aproximava-se rapidamente. Passei a semana completamente eufórica perante a perspectiva do fim de semana que se aproximava. Tal era o meu estado de ansiedade que acabei descurando o lado profissional, acabando mesmo por ser chamada á atenção pelo chefe. Com razão claro. Decidi então acalmar os ânimos e concentrar-me nas minhas funções. A passo e passo sexta feira ia chegando.
Na sexta fomos então buscar Sofia. O meu coração quase que saía pela boca, batia descompassado. Helder ria-se de mim. "Estás a rir-te de mim?" - perguntei eu.
- Se visses o teu reflexo num espelho também ias sorrir. Pareces uma adolescente a quem prometeram um presente... ora róis as unhas, ora colocas o cabelo por detrás das orelhas, ora tiras o cabelo... sossega... é só uma menina...
- Não é uma menina qualquer - retorqui - é a tua menina...
Segurou -me a mão enquanto conduzia pela cidade. Tráfego de sexta feira á noite era sempre caótico. Os pais de Mariana viviam na periferia. numa pequena aldeia, a 5 km da cidade. Nunca uma viagem me pareceu tão longa. Ainda por cima tivemos que voltar para trás para buscar a cadeirinha que o Helder tinha guardada na garagem, com a pressa de sairmos esquecemo-nos completamente. Ele parecia bastante calmo. Acho que nós mulheres temos tendência para viver as coisas mais emocionalmente que os homens. Se receava o encontro iminente nada se fazia notar no seu comportamento. Olhei-o de soslaio. O seu perfil era tão bonito, seus traços serenos. Dei comigo a divagar nos pensamentos. Se me tivessem dito que encontraria algum homem que me completasse tanto quando ele me completava não teria acreditado. Sempre fui muito céptica nestas questões do amor. Mas o amor também não tinha sido bom para mim, só me tinha trazido sofrimento. Ouvi de repente uma gargalhada que me assustou.
- Que susto! - balbuciei eu corando
- Dava tudo para saber em que pensas...
- Não estava a pensar em nada de especial...
- Será que não?
- Não não. - e desviei o olhar para o outro lado. Havia alturas em que me sentia um bocado embaraçada na sua presença.
Chegamos ao destino. Ele estacionou o carro em frente à casa. Era uma casa grande, com um jardim igualmente enorme. Bonito lugar para criar uma criança pensei. Helder saiu do carro, eu não sabia muito bem que fazer, deixei-me estar. Ele bateu no vidro.
- Não vens? - perguntou.
Hesitei. Ir ou não ir. Decidi por ir. Corri atrás dele para o conseguir apanhar. Tocamos á campainha. Aguardamos alguns minutos para que alguém viesse abrir a porta. Do outro lado da porta estava um senhor que aparentava não ter mais do que 50 anos. Cabelo ligeiramente grisalho, uns olhos claros, que contrastavam com a camisa que trazia vestida.
- Olá Helder entra. A Ana está a terminar de arranjar a menina.
Indicou - nos para o seguirmos até á sala. Eu senti que estava a ser alvo da curiosidade. Desviei o olhar pois estava a sentir - me bastante incomodada. Eles conversavam entre si, conversas tipicamente cordiais, daquelas que se tem para entreter o tempo. Observei a sala em meu redor, decorada com um extremo bom gosto, cores suaves, claras. O meu olhar perdeu - se por completo nas imensas prateleiras cheias de livros. Quis tocá-los. Sempre tive um fascínio enorme por livros. Quando dei por mim estava muito próxima de umas das prateleiras, não resistindo a ler os títulos das obras,
- Gosta de ler? - ouvi uma voz atrás de mim
- Sim gosto muito. - Respondi corando ligeiramente
- A minha filha também gostava. Esses livros eram todos dela. - o seu olhar escureceu por momentos e eu enterneci-me pela dor daquele pai que tinha perdido a sua filha. O silêncio pesava, eu ali me encontrava sem saber muito bem o que dizer.
- A sua neta irá encontrar neles um bocadinho da mãe.
- Ela já é tão parecida com a mãe! Sim espero que tenha herdado isso da mãe, e não seja ali como o Helder que não gosta nada de livros...
Rimo-nos os três. Desanuviou um bocado o ambiente.
Ouvimos um barulho de passos pequeninos...
- Olha quem aqui está, a princesa!
Na porta sala, pela mão da sua avó encontrava-se Sofia. A bebé sorriu quando reconheceu o seu pai. A emoção era demasiada para mim. Uma lágrima escorreu por minha face, lágrima essa que tratei logo de esconder. Sofia era pequenina, reconchuchuda como todos os bebés. Um rosto redondo, onde se salientava uns olhos pretos, grandes. Seu cabelo cacheado moldava - lhe o rostinho.
- Papá! - disse enquanto se agarrava ao Helder.
Foi emocionante assistir a este momento. Senti o olhar de alguém pousado em mim. Ergui o olhar, encontrei do outro lado uns olhos frios, distantes que me mediam atentamente. Sabem aquela sensação de que estamos a ser avaliados? Da ponta do cabelo á ponta dos pés. Aquele olhar arrepiou -me, era frio, desprovido de emoção. Não tem nada cara de avó, pensei. A minha ideia de avó era de uma senhora de rosto afável. cabelinho cinzento, olhar terno. Esta avó mais parecia saída de um catálogo de moda. A menina estava muito bem estimada. A roupa era bem cuidada, demonstrando que dinheiro ali não deveria ser problema.
- Olá Helder, estou a ver que trouxeste companhia. Não me vais apresentar a tua amiga?
Helder olhou para mim, depois para Ana. A menina já se encontrava nos seus braços.
- Não é minha amiga - respondeu ele - É a minha namorada.
O silêncio caiu como uma cortina sobre nós. Ali estávamos quatro adultos e uma criança. A menina olhava-nos a todos curiosa, principalmente observava-me. Sorriu. Sorri de volta. Quis se soltar do colo do pai, Helder pousou-a no chão e ela veio a correr para os meus braços. Senti aquele corpinho pequeno junto a mim, o meu instinto me dizia para agarrar na menina e fugir para bem longe daquele ambiente pesado.
- E tu dizes - me isso com o ar mais natural do mundo? - perguntou Ana, a sua face corando de fúria
- Como queria que lhe dissesse? - retorquiu o Helder enquanto que pegava no saco da menina - Ana, com todo o respeito esse comportamento não é próprio.
- Não é próprio? A minha filha mal se foi e tu já arranjas-te outra? Era esse o amor que lhe tinhas?
- Ana chega - implorou o Pedro - Este não é o lugar nem o momento para essas discussões. Deixa - os ir.
- Não a minha neta não vai a lugar nenhum! - ameaçou enquanto arrancava o saco das mãos de Pedro.
- Ana, por favor, não está a ser razoável. A vida continua. A Mariana partiu, com muita dor minha, mas eu e a minha filha temos direito a reconstrui a nossa vida. Sem Mariana.
- Até podes reconstruir a tua vida da forma que quiseres, como quiseres. Mas a minha neta não sai daqui!
Pedro caminhou em direcção á esposa. Ela tremia descontrolada. Eu segurava a menina nos meus braços, que começou a chorar com a gritaria. Encostei-a a mim.
- Shhh, está tudo bem querida. Shhhh sossega - ia -lhe dando palmadinhas nas costas
Saíram ambos da sala, Pedro conseguiu arrastar a sua mulher consigo. Helder aproximou-se de nós, abraçou-nos às duas, seus lábios tocaram a face rosada de Sofia e a seguir a minha.
- Isto não vai ser fácil - disse - me. Aquiesci, era o inicio de uma batalha, em que só uma das partes poderia sair vencedora. Encostei a menina mais a mim. Pegamos nas coisas e saímos. Com o coração apertado, mas saímos.