Sunday, March 28, 2010

Momento: a duas vozes (parte XVII)


ELE


"Levei Sofia para a casa dos avós. Ana ficou admirada com o meu aparecimento, só contava connosco no domingo à noite. Entreguei-lhe a menina sem grandes explicações e saí. Precisava estar sozinho. Eu estava literalmente assustado. Não devia ter saído assim da casa de Marylin não devia. Mas este meu feitio que quando magoado me obrigava a fugir não ajudava nestas situações. Não, não me sentia mais calmo. Pelo contrário conforme o tempo ia passando, mais angustiado me sentia. Só o simples facto de saber que Marylin ia embora, que não poderia estar com ela todos os dias angustiava-me imenso. Dirigi-me para o sítio onde conseguia ter alguma calma, colocar os pensamentos e sentimentos em ordem. Comprei um lindo ramo de Lírios Brancos e fui visitar Mariana. Era o único lugar que me proporcionava alguma tranquilidade. Ficava ali sempre por tempo indeterminado, em longas conversas com ela. Ela escutava-me, como sempre o fizera. Muitas vezes sentia as respostas dela ecoar na minha mente, como se estivessem os mesmo lado a lado sentados num café qualquer a discutir as vicissitudes da vida. Por norma era Ana que cuidava da sepultura, sempre com imenso carinho e dedicação. Tal como cuidara em vida, Ana cuidava agora ainda com mais afinco a morada da filha. Sentei-me numa pequena saliência, e ali me deixei estar. O silêncio predominava, não se via ninguém. Estava sozinho. E soube-me bem. Pude então dar largas à minha dor, exteriorizar em forma de soluços e lágrimas o que me invadia a alma. Mariana dizia-me que eu tinha que ser forte, que tinha que lutar por Marylin. Senti o seu braço no meu ombro, incentivando-me a seguir em frente, a fazer o que tinha que ser feito. Então porque me sentia tão reticente a fazê-lo? Certamente uma relação à distância não iria custar tanto assim ou iria? Era algum tempo de sacrifício, mas no fim não compensaria em vez deste sofrimento atroz? Mas eu era egoísta por natureza. Conhecia-me. Não iria suportar não a ver, não a tocar. "Mas tu superas-te não me ver, não me tocar" - ouvi ecoar na minha cabeça as palavras de Mariana. Tinha sido diferente, não tivera escolha. Se tivesse tido escolha neste momento não existiria Marylin. "Não sabes." - voltei a ouvir - "Não tentes mudar o curso do passado, não podes. Nem podes viver se suposições. Poderíamos não ter resultado." Não isso era impossível, nós tínhamos tudo para resultar. Não tínhamos? Olhei a sua foto esculpida na mármore negra, o contraste das cores vivas da fotografia com o negro da mármore fria. Com a Mariana não tivera escolha, ela não tivera escolha. Marylin, com Marylin era tudo ainda possível não era? A questão era se eu estava disposto a manter uma relação à distância, apenas viver de encontros furtivos, tal qual amantes que se encontram escondidos e casualmente. E nesta altura da minha vida eu precisava de estabilidade, tanto para mim como para a minha filha. Não podia de forma alguma habituá-la a amar alguém que só veria de vez em quando. Alguém que não teríamos em casa quando chegássemos, alguém que não lhe aconchegasse a roupa antes de dormir, lhe desse um beijo de boa noite. E eu precisava de ter esse alguém para conseguir que o meu coração deixasse de andar na corda bamba, precisava de deixar a vida de boémio, das noitadas com os amigos, que não me enriqueciam em nada, pelo contrário me deixavam ainda mais carente do que faltava na minha vida. Com a entrada de Marylin tudo tinha mudado, essa vida agora parecia-me longínqua apesar do convívio na mesma com os amigos que nunca iria prescindir, agora já não existiam aquelas noites de bar em bar. E havia Sofia. Eu estava agora cada vez mais consciente da minha responsabilidade enquanto Pai, do quanto havia sido negligente em entregar a educação da minha filha a outros quando era meu dever fazê-lo. Estava certo que tinha chegado o momento sim de assumir esse papel em pleno, estava consciente de que ao fazê-lo iria abdicar da dita liberdade que tinha, mas era o que era suposto eu fazer. Era o que eu queria fazer. Isso era decisão tomada, Sofia iria morar comigo, com ou sem Marylin. Devia isso à minha filha, devia isso à Mariana. Afinal tinha feito uma promessa não tinha? E as promessas nunca devem ser quebradas. "


Autoria: Lcarmo (Bela)

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Thursday, March 25, 2010

Depois do Amor


"Ele interessou-se por ela. Ela que no inicio se sentia indiferente à sua presença, deixou as defesas baixarem, os muros ficarem mais pequenos, as frinchas entreabertas. Ele aproveitando-se entrou de rompante virando tudo de pernas para o ar. Num momento ela sentia-se segura das suas convicções no outro sentia-se frágil, tal qual passarinho nas mãos dele. Ora ele apertava a mão e ela sentia-se presa, ora ele libertava a mão e ela sentia-se desprotegida. De um momento para o outro o interesse dele desvaneceu-se no ar. Ela ali ficou, nua, exposta, seus sentimentos rasgados do peito, aquele frio que sentia era uma infíma parte do que realmente sentia. A mão estendida já lá não estava, não restava nada da ilusão anterior. Ela sofria em silêncio, colava seu coração com fita cola, a cada movimento a fita desprendia-se causando-lhe ainda mais sofrimento. Lambia as feridas então, tal qual um animal ferido faz. Dizem que a nossa própria saliva tem poderes curativos, esperava que pudesse sarar aquelas feridas que ainda sangravam à mínima lembrança dele. Ele partira entretanto com destino a um outro coração, a um outro abraço a uma outra boca que o recebia. Sempre iludido pela beleza física, cego pelo que pensava que desejava nem se dava conta do que as suas atitudes haviam feito. No lugar onde havia atenção, agora havia indiferença, no lugar onde havia presença, agora havia falta. Era pessoa de extremos tanto estava como não estava, cego não via que as suas atitudes tinham ferido de morte alguém mais fraco. Entretanto ela, consciente das artimanhas que ele tecia para fugir da sua presença, tratava das suas feridas. Lembrava as palavras que lhe tinham sido ditas, os gestos, oh como se lembrava dos gestos. O ser humano consegue ser dissimulado, consegue tecer teias muito mais elaboradas que as próprias aranhas, depois quando se vê envolvido nas teias que ele mesmo criou, quer a todo custo rasgar a teia, fugir, tal o tamanho da covardia. Ela iria deixá-lo ir. Se eram outros braços, outros beijos que o esperavam, ela iria deixá-lo ir, certa de que um dia, um dia a lembrança dela iria invadir o seu consciente, então aí ele iria se dar conta da felicidade que havia jogado fora. Porque a vida encarrega-se de ensinar os que pensam que sabem tudo, que são detentores da razão, que podem manipular sentimentos tal qual se manipula marionetas numa peça para crianças. Os sentimentos esses não podem ser apagados, mas podem ser fingidos, manipulados e quando isso acontece o coração rasga-se por dentro, sangra. Mas como todas as feridas é passível de ser sarado. Com paciência e coragem. Porque nenhuma ferida dura para sempre. E como já alguém uma vez disse, ninguém morre de amor, pode é morrer pela ausência dele. "

Autoria: Lcarmo (Bela)

Sunday, March 21, 2010

Momento: a duas vozes (parte XVI)


ELA


"A minha conversa com o Miguel foi curta. Não havia muito mais a dizer entre nós, ele tinha-me na mão e sabia muito bem. Enquanto me vestia ponderei bem a minha decisão. Iria para Londres sim. Não me restava outra opção. Abri a gaveta da mesinha ao lado da cama, local onde guardava os meus compromissos, as contas que tinha para pagar. Desdobrei cuidadosamente um papel, espreitei mais uma vez o valor que vinha referido na carta e suspirei. Sim eu tinha mesmo que aceitar a proposta dele. Guardei o papel novamente e acabei de me vestir. Tentei ligar ao Helder entretanto mas ele continuava sem atender. Mordi o lábio para conter as lágrimas. Dificilmente ele me iria perdoar, esta relação não iria resultar de forma nenhuma à distância, nem seria justo para com ele, nem para comigo. Peguei nas chaves do carro e saí de casa. O dia estava bonito, mesmo para contrastar com o meu estado de espírito. Suspirei enquanto entrava no carro. Enquanto conduzia, revi mentalmente imagens que para sempre iam ficar gravadas tanto no meu coração como na minha mente. Nunca esqueceria seu sorriso, a sua gargalhada, o seu toque. Lamentava mesmo que as coisas tivessem que ser assim, mas a vida nunca é justa. Não se pode ter tudo, pensei para mim mesma. Talvez como forma de me reconfortar um bocado. Foi uma ilusão minha pensar que poderia alguma vez esquecer o passado ou fingir que ele não tinha existido. O meu tinha-me marcado de diversas formas, tantas que tinha deixado de acreditar no Amor, na Família, até na amizade. Numa dada altura da minha vida, que precisara de alguém mais do que nunca, olhara à minha volta e não tinha ninguém. As decisões mais difíceis tiveram que ser tomadas apenas por mim, com responsabilidade minha apenas. Não tinha sido fácil, mas fora assim que eu crescera. Enquanto conduzi o carro pela alameda de árvores que me era tão familiar, o meu coração bateu mais rápido. Que iria encontrar hoje? Teria havido pioras? Estacionei no sitio do costume. Por minutos deixei-me ficar dentro do carro, enquanto tentava colocar a minha melhor cara, ninguém merecia ter que olhar para mim com comiseração, e a verdade é que também queria evitar perguntas desnecessárias. Enquanto caminhei para a entrada do edifício, não pude deixar de reparar na azáfama que me rodeava. Carros que chegavam, carros que partiam. Gente vestida de batas brancas, médicos, enfermeiros... todo um conjunto de pessoas que constituíam aquele todo, que tornava a vida das famílias um pouco menos penosa quando entregavam ali os seus entes queridos. Dirigi-me como sempre à recepção para perguntar onde me devia dirigir.

- Olá menina, Marylin hoje está no jardim.

Agradeci e dirigi-me para lá. O meu olhar percorreu aquela imensidão de verde, de flores coloridas, tentei reconhecer um rosto que me seria familiar. Reconheci de imediato. Imóvel, sentado num banco de jardim. Olhei os cabelos brancos, o olhar ausente. Suas mãos encontravam-se entrelaçadas no colo, enquanto seguravam uma flor na mão. Estava acompanhada por um enfermeiro. Sorri ao enfermeiro, era meu velho conhecido já.

- Olá mãe. - cumprimentei eu enquanto lhe dava um beijo na face.

Nenhuma resposta, apenas um olhar que parecia ir muito para além de mim.

- Ela hoje tem estado assim, Marylin. Não reage. Tem estado apática.

- Mas piorou? - perguntei apreensiva.

- Não, apenas está longe, muito longe. Mas é normal nas condições dela. Tem dias que a mente simplesmente se fecha e não reage a estímulos externos.

Suspirei. Sonhava ainda com o dia em que ia chegar ali e me iam dizer que ela tinha melhorado, que tinha sido um milagre, e que poderia levá-la para casa. Mas esse dia estava cada vez mais longe de chegar. Sentei-me ao seu lado no banco. Dei-lhe a minha mão. No inicio não a agarrou, apenas ficamos ali com as mãos pousadas uma na outra. Mas depois a certo momento senti um ligeiro apertar, como se tivesse sentido que alguém familiar ali estava. Senti-me muito mais reconfortada.

- Sabes mãe, nos próximos tempos não te vou poder visitar tantas vezes. Sei que vais sentir a minha falta, mas eu não posso mesmo. Nem sei se me ouves, gostaria que pudesses ouvir, para eu te poder dizer que te amo muito, que tu és a principal razão porque vou. Quero que tenhas tudo do bom e do melhor, quero te prestar todos os cuidados que mereces, espero ainda por uma cura para ti, sabes? - apertei-lhe mais a mão. Tinha esperança que ela me ouvisse. Os médicos sempre me disseram para falar com ela, mesmo que ela não me respondesse, precisava desses estímulos. Então eu sempre que a visitava, contava-lhe tudo da minha vida. Ela sabia do Helder, da Sofia. E teria que saber claro que eu me iria ausentar. Se percebia, se alguma das coisas que eu lhe dizia ela realmente entendia, ninguém sabia dizer. Ela não falava quase nada. E o que falava eram sempre palavras soltas, sem nexo. Os médicos não conseguiam explicar o que causava o bloqueio da sua mente. Não era nenhuma doença conhecida. Apenas me diziam que ela se recusava a responder a estímulos, como se tivesse desistido da viver, e apenas vegetar, sem ficar completamente dependente fisicamente. Mas mentalmente sim.

Estive com ela as duas horas que todos os fins de semana me eram permitidas ficar. Como meio de tratamento, os médicos decidiram encurtar as visitas a uma semanal de duas horas. Nos últimos três anos da minha vida, era a minha rotina de sábados de manhã. As visitas à minha mãe. Eu era a única pessoa que a ia ver. O resto da família gostava de fingir que ela não exisitia. isso entristecia-me, mas já me tinha começado a habituar a ser sozinha a cuidar dela. Pedi ao enfermeiro se poderia falar com o médico dela. Teria que o colocar a par da minha iminente partida, do que isso poderia agravar ou não o seu estado de saúde. Foi-me indicado que ele estaria no seu gabinete. Despedindo-me muito mais penosamente que das outras vezes, abracei a minha mãe. Por segundos deu-me a impressão que tinha sentido a sua mão acariciar-me as costas. Olhei no fundo dos seus olhos e não vi nada. Nem emoção, nem carinho, nem Amor. Nada. Como se o ser que ali morava se tivesse esfumado, saído do corpo. A custo afastei-me dela, sabendo que nos próximos meses iria ser complicado organizar viagens para a vir ver, mas iria tentar, custasse o que custasse. Era minha responsabilidade e não ia abandoná-la agora. Caminhei decidida em direcção ao gabinete do director. Não me virei mais. Custava mais vê-la ficar mais pequena conforme me distanciava fisicamente. Virei costas. E não vi a lágrima que lhe escorreu pelo rosto. "

Autoria: Lcarmo (bela)

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Thursday, March 18, 2010

Ela e o Mundo


"Começava a escurecer. Caminhou descalça até ao alpendre. Gostava de sentir os seus pés despidos tocarem a superfície da madeira. Sentou-se nas escadas contemplando o horizonte. As luzes do entardecer exerciam um qualquer fascínio sobre ela. O sol não era já quente embora ainda lhe acariciasse os ombros. Seu cabelo causava-lhe cócegas sempre que escorregava em direcção ao seu seio. Um ligeira brisa trazia-lhe o cheiro da terra, o cheiro das árvores que floresciam pela época primaveril. Gostava daqueles momentos em que apenas se ouvia o bater do seu coração em sintonia com a natureza. Já não tinha medo, já não se sentia só. Deixara os fantasmas lá longe na outra vida, em que era constantemente posta à prova. Ali naquele lugar, naquele momento estava em paz. Poderia finalmente apreciar estes momentos sozinhos na sua própria companhia. O gato do vizinho aproximou-se dela, mais uma vez a vinha visitar. Acariciou-lhe o pêlo, ele deitou-se aos seus pés deliciando, ronronando docilmente. Pensou para si mesma quanto mais fácil era para os animais expressar o que sentiam do que as pessoas. As pessoas essas sempre egoístas ocultando o que sentem. Sim era bem mais sincero ser-se um animal, sem fingimentos, sem palavras ocas. Uma afeição sem limites, sem reservas. Deveriam ser assim as relações humanas, desinteressadas. Mas não o eram e ela sabia bem. Havia um motivo para o seu isolamento, mas desde que optara por esta solução sentia-se em paz. Sem ter que dar satisfações de sentimentos que sentia, de vivências que queria viver. O que a esperava agora? Não sabia. E pela primeira vez na vida estava a adorar não antecipar, não sonhar, não sentir. Apenas ela e o mundo. E não o mundo e ela. Bela"

Autoria: Lcarmo (Bela)

Sunday, March 14, 2010

Momento: a duas vozes (parte XV)


ELE

Deixámos-nos dormir os três. Quando acordei já o sol entrava pelas frinchas da persiana. Espreguicei-me, doía-me o corpo, tinha passado a noite toda virado para o mesmo lado para não incomodar Marylin nem a menina. Olhei para elas com carinho, as duas ali sossegadinhas. Levantei-me sem fazer barulho, como era sábado elas mereciam descansar. Fui até á sala, abri as janelas para a luz do sol me brindar. Olhei para o movimento dos carros na rua. A azáfama habitual já estava a tomar conta do dia. Fui para a cozinha, fazer o pequeno almoço para as minhas princesas. Um miminho depois de um dia esgotante iria saber muito bem. Tínhamos que aproveitar o dia lindo que estava. Uma ideia ocorreu-me podíamos ir ao Jardim Zoológico de certeza que Sofia ia adorar, Marylin e eu estávamos a precisar de passear um bocado ao ar livre para esquecer o stress do trabalho. Por pensar em trabalho teria que ainda acabar os relatórios mensais para enviar ao chefe, a parte mais chata, tratar das burocracias, definitivamente burocracias não era mesmo comigo. O telefone tocou corri para atender para não as acordar.

- Sim? -atendi - como era o telefone da casa de Marylinn ainda não estava muito habituado como havia de atender.

- Bom dia a Marylinn está? - uma voz de homem do outro lado

- Está a dormir. Quem está ao telefone? - perguntei. Do outro lado seguiu-se um silêncio apenas quebrado pelo barulho característico da linha.

- É o Miguel, o chefe dela. Não pode acordá-la?

- Eu preferia não a acordar, deitou-se tarde e hoje como é sábado precisa de dormir mais um pouco. Mas se quiser pode deixar recado que eu mal ela acorde dou.

Continuou o silêncio. Já estava a ficar irritado. Sabia muito bem que este Miguel era arrogante pois já tinha tido o prazer de o conhecer. E não tinha sido uma experiência nada aliciante. Miguel era frio, arrogante, parecia ter em relação a Marylin uma relação de possessão que eu não gostava nada de ver. Se estava com ciúmes? Sim estava.

- Olha diz-lhe que preciso de falar com urgência. Ela vai ter que seguir para Londres já segunda feira pois a situação que falamos ontem ficou mais urgente. Preciso mesmo dela, vou tratar dos bilhetes.

- Londres? - perguntei estupefacto. Sabia que eles tinham negócios fora do país mas ela nunca me tinha dito que iria surgir a necessidade de ter que se ausentar do país. - A semana toda? - perguntei

- Não ela vai já de carácter definitivo. O mais tardar seis meses. Bem ela que me ligue então, não te esqueças que é urgente.

E desligou. Fiquei por momentos como que petrificado. Devia ter entendido mal. Só podia ser. Marylin não me tinha nunca falado nessa possibilidade. Por momentos foi como se o ar deixasse de circular dentro dos meus pulmões. Provavelmente eu tinha entendido mal. Ele estaria a falar em viagens constantes de cá para lá e não de carácter permanente. Afinal Londres não era tão longe assim não era? E ela poderia vir cá várias vezes, a empresa era sólida com certeza não haveria problema de custear essas viagens. Tentei me convencer a mim mesmo que a situação não seria tão grave quanto a minha razão me dizia que era. Senti o cheiro a esturro vindo da cozinha, corri para lá. A custo consegui retirar as torradas praticamente todas negras, irreconhecíveis. Atirei-as para a banca. Tive que abrir a janela para sair o cheiro de esturro que emprestava a cozinha e me invadia o nariz. Senti uma mão no meu ombro. Virei-me. Ali estava ela, linda como nunca, vestida apenas com uma camisa que pouco deixava á minha imaginação. Colocou-se nas pontas dos pés, beijou meus lábios de forma ternurenta.

- Bom dia Querido. - sorriu. Sorriso mais lindo que tinha. Por momentos esqueci completamente Londres, Miguel, tudo ao nosso redor. Ficamos ali na cozinha a trocar caricias matinais. Beijei a sua orelha.

- Quando me ias contar de Londres? - perguntei enquanto a segurava nos meus braços. Senti-a ficar tensa. Afastou-se dos meus braços. Seus olhos evitavam os meus.

- Como sabes de Londres? - perguntou assustada.

- O Miguel ligou diz que vais ter que ir já segunda feira.

- Mas eu ainda não lhe dei a resposta. - disse ela enquanto correu á sala para buscar o telemóvel.

- Eu não me pareceu que ele estivesse à espera de uma resposta, pareceu-me ser facto assente.

- Helder, eu só soube ontem. E ontem não te quis contar, era tarde e....

- É foi preferível eu descobrir assim por terceiros que a mulher com quem estou a pensar dividir a minha vida vai para Londres trabalhar seis meses ou mais. Sabendo tu o que significa para mim não te ter ao meu lado neste momento importante com a Sofia.

- Helder eu... - ela olhava para mim implorando-me compreensão. Mas eu estava aterrorizado, sentia que a estava a perder e isso doía imenso. Mais do que eu alguma vez julgara ser possível. Dirigi-me para o quarto. Ela ficou na sala impávida. Ouvia-a falar ao telefone, estava exaltada, nervosa. Devia ser com o Miguel pensei. Acordei a menina, custava-me ter que o fazer. Mas precisava de ir para longe dali. Pensar no que iria fazer. Que caminho escolher. Sofia chorou, detestava ser acordada. A muito custo consegui vesti-la, ainda meia sonâmbula, também devia ser consequência dos medicamentos fortes a que estava sujeita. Vesti-me também rapidamente. Agarrei nas minhas coisas e da menina, caminhei até á sala. Marylin continuava ao telefone. Olhou para mim implorando com o olhar que esperasse que lhe desse hipótese de se explicar. Mas eu estava magoado, ferido. Tinha que sair dali. Caminhei para a porta não voltando a olhar para ela.

- Helder espera... deixa-me explicar... - ouvi-a ainda chamar por mim.

Mas eu não esperei. Bati com a porta e saí. No momento que coloquei o pé fora de casa um arrependimento atravessou o meu coração. Mas era tarde demais."


Autoria: Lcarmo (Bela)

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Tuesday, March 9, 2010

Momento: a duas vozes (parte XIV)


ELA


Estive ali prostrada no chão até me sentir gelada. Olhei ao meu redor, a sala encontrava-se silenciosa. Provavelmente já toda a gente teria ido para casa. Levantei-me, sentindo-me tonta. Tive que me segurar na secretária, tal era a velocidade que a minha cabeça andava á roda. Reuni as minhas coisas e preparei-me para sair. Peguei no telemovel, vi que tinha imensas chamadas não atendidas. Quase todas do Helder. Fiquei por momentos a pensar se deveria ou não responder. Retornei a chamada. O telefone chamava mas ele não atendia. Claro depois de tantas chamadas perdidas provavelmente devia estar furioso comigo. Saí do edificio ainda cambaleante. Procurei o carro e entrei. Não sabia muito bem para onde ir. Apetecia-me ir para todo o lado menos para casa. Helder continuava sem atender. Acabei por me decidir ir para casa. Precisava de um banho quente, bem quente, para me ajudar a esclarecer as ideias. Nunca o caminho para casa me pareceu tão longo.

Entrei em casa, estava tudo silencioso. De que estaria eu à espera de alguma recepção? Liguei a luz da sala, sentei-me por momentos no sofá. A minha cabeça doía, o meu coração estava apertado. Olhei o meu aspecto no espelho da sala e assustei-me. Que aspecto eu estava. Descalcei os sapatos, atirando com eles para bem longe. Depois arrumaria, agora não. E se fosse direitinha para a cama? assim sem banho sem nada? Se me aninhasse tal qual um gatinho se aninha por debaixo dos lençóis quando não quer ser incomodado? Dirigi-me para o quarto. Caminhei ás escuras. Meu pé calcou algo que me magoou. Pensei de imediato que estranho de manhã tinha deixado tudo arrumado. Aninhei-me para ver o que era. Um brinquedo? Que fazia um brinquedo no meu quarto? Queres ver que... ? pensei. Acendi a luz de imediato, os meus olhos não estavam preparados para ver o que viram. Na minha cama estavam dois estranhos, bem não eram propriamente estranhos, mas nunca esperei vê-los ali aos dois. Helder estava com um ar cansado, abatido. Sofia estava aconhegadinha nos braços do Pai. As minhas pernas estremeceram perante a ternura de um quadro tão bonito. Sentei-me na beira da cama, fiquei a vê-los dormir. Como poderia eu perturbar a paz dos dois? Teria eu direito de agora com as minhas atitudes mudar a vida deles? Para quê entrar na vida deles para agora desaparecer? Uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Eu não podia recusar a proposta. Não podia. Havia alguém que dependia e muito de mim. Alguém de quem eu ainda não falara a Helder, mas agora teria que o fazer. Eu não estava em condições de arriscar perder o único sustento tanto meu, como de alguém que dependia tanto de mim. Nao podia falhar agora não podia... mas ia falhar com o Helder. E os nossos sonhos? Os nossos planos? A situação financeira dele também não era assim tão estável, e ainda havia Sofia que tínhamos que pensar. A minha cabeça latejava, por mais voltas que desse na minha cabeça não havia solução possível à vista. Iria para Londres, sabia lá eu quanto tempo, em que condições. Iria ser miserável nesse tempo que ia lá estar, mas a minha decisão estava praticamente tomada não estava? Não tinha outra alternativa. E ele, ele não tinha condições de vir comigo. Não ia mudar-se para um país estranho com a filha a reboque, sabendo de antemão que tanto eu como ele teríamos que trabalhar para conseguir face ás despesas e que não tínhamos quem ficasse com a menina. A vida nunca me pareceu tão cruel, como naquele momento, deu-me algo de forma efémera para agora me tirar da pior forma possível. Ter que me fazer escolher, como se escolhe abdicar do amor da nossa vida? Como se entrega de bandeja a felicidade? Olhei para aqueles dois rostos que eu sonhava fazerem parte do meu futuro, pensei sinceramente que ia ver Sofia crescer ao meu lado. Gostava tanto daquela menina, que de minha não tinha nada, mas que eu considerava como minha. Estendi-me ao lado do seu corpinho, fiquei ali a observá-la dormir. Ouvi a sua respiração, ouvi o bater do seu coraçãozinho. O meu dedo desenhou o contorno do seu rosto, segurei a sua mãozinha na minha. Tão linda, tão perfeita, podia ser minha. Mas não era. E provalmente não o viria a ser mais. Um soluço subiu à minha garganta. Levantei-me rapidamente, precisando de ar. Comecei a tossir, tal era a aflição que senti. Helder acordou com a minha aflição. Num instante estava ao meu lado, obrigando-me a pôr de pé.

- Pronto já passou - sussurou ele

E eu desatei a chorar. Chorei, chorei muito. Ele olhava para mim, confuso, sem saber que tinha feito para despoletar tal desespero. Aninhei-me mais nos seus braços. Quis senti-lo ainda mais junto a mim, quis que aquele momento se perpetuasse.

- Que fazes aqui com a menina? - perguntei enquanto enxugava as lágrimas.

- Ela sofreu um pequeno acidente doméstico. Já viste a ligadura na cabecinha dela? - virei-me. Não tinha reparado. A cabecinha dela estava inclinada e não dava para ver o curativo.

- Mas ela está bem? - perguntei preocupada enquanto me acercava para ver mais de perto o ferimento

- Sim está. Foi o primeiro de muitos sustos que provavelmente ainda nos vai dar... - este nos no fim da frase fez o meu coração apertar-se. Como iria lhe contar a verdade? Quando?

Levantei-me da cama. Evitei o seu olhar.

- Vou tomar um banho bem quente. Hoje foi um dia complicado. Devias descansar também. - disse-lhe enquanto lhe beijava os lábios.

- Sim vou descansar, estou mesmo estourado. Não demores muito, esperamos por ti. - disse enquanto se aconchegava novamente ao lado da filha

- Não demoro. - Prometi enquanto fugia para a casa de banho. A água quente soube bem em meu corpo, fiquei ali por bastante tempo, talvez com a ilusão de que a água de alguma forma me iria trazer alguma paz de espírito. Não trouxe. Depois do banho voltei a me aconchegar junto de Sofia. Ela ali no meio de nós os dois. Um inocente no meio de uma trama já bem complicada. Amanhã iria ter que falar com Helder, teria que reunir a coragem necessária para lhe explicar o que se passava. Estaria no direito de expôr terceiros? Fiquei ali por tempo indeterminado a olhar o tecto. A luz que entrava pelas frinchas da janela brincava com os reflexos no tecto. Fiquei assim minutos, horas, até que vencida pela exaustão também eu adormeci.

Autoria: Lcarmo (Bela)

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Sunday, March 7, 2010

As formas do AMOR


A menina caminhava lado a lado com a mãe. De mãos dadas caminhavam apressadas. Moravam há pouco tempo nas redondezas, por isso a criança sentia-se curiosa em relação a tudo ao seu redor. Olhava para todos os lados com curiosidade. A mãe puxava por ela, obrigando-a a correr por vezes para conseguir acompanhar os passos apressados da mãe. Chamou-lhe a atenção uma casa na vizinhança, já nos dias antecedentes reparara que uma senhora idosa se encontrava sentada no alpendre com um livro na mão. Hoje estava lá novamente. Um certo fascinio atravessou o espirito da menina, sentiu uma curiosidade extrema em relação ao que levaria uma senhora daquela idade, áquela hora da manhã, quer fizesse chuva, quer fizesse sol sentar-se no alpendre. Ao fim do dia quando regressava da escola a velha senhora ainda ali se encontrava sentada no mesmo lugar, como se fosse um quadro pintado por um pintor qualquer, o cenário que se via de manhã era o cenário à noite. Viveria sózinha? Não comia? Que estaria a ler? Quando chegava a casa a menina corria para o seu quarto e ficava ali à espera de ver a senhora se recolher. Que o fazia quase sempre apenas quando já estava demasiado escuro para ler. Pegava então no seu livro e entrava em casa, fechando a porta. A menina ficava então ali a olhar aquela casa, pensar naquela senhora, imaginando mil e um cenários para o que se passaria dentro daquela casa. Fascinava-a o ar de mistério que rodeava a velha senhora.
No dia seguinte a sua mãe sentiu-se mal disposta. Com relutância conseguiu convencer a menina que estava bem e mandou-a seguir sózinha para a escola. A menina saiu corajosa de casa. Era a primeira vez que saía sem a mãe nesta cidade nova, completamente desconhecida, que lhe causava arrepios. Desde que se tinham mudado ainda não tinha havido praticamente nenhum dia de sol, sempre muito cinzento, escurso, como se todos os dias fosse chover. Isso entristecia a menina. Caminhava discreta pelo passeio quando olhou para a casa da vizinha. Já se encontrava sentada no seu alpendre. A menina ficou ali uns minutos a olhar lá para dentro. De repente o olhar da velha senhora encontrouou os olhos da menina. Fez-lhe sinal com a mão para se aproximar. A menina olhou á sua volta, seu coração batendo descompassado, respirou fundo e atravessou o jardim até á casa da velha senhora. Pousou a sua mochila e entrou no alpendre.
- Olá minha querida - cumprimentou a velha senhora com voz rouca, quase imperceptível.
A menina sentiu-se envergonhada, inibida. Não sabia se era certo estar ali. A senhora ainda era mais velha do que a menina imaginava. As rugas eram notórias no seu rosto, no seu pescoço, até as suas mãos tinham um aspecto envelhecido, que idade teria? Naquele rosto velho e cansado, os olhos esses eram de uma vivacidade nunca antes vista. A menina mergulhou dentro daquele olhar. Sentiu-se estremecer.
- Olá - balbuciou.
- Tenho reparado que passas por aqui todos os dias, vais a caminho da escola é?
- Sim vou. A minha mãe costuma ir comigo, mas hoje está mal disposta.
- Espero que melhore. Senta-te aqui ao meu lado um bocadinho.
A menina sentou-se ao lado da senhora. Seu olhar pousou no livro que a senhora segurava no colo. " A história do Amor, Nicole Krauss". A capa era bonita, colorida, tal como a menina gostava.
A senhora sentindo que a menina olhava o livro perguntou-lhe:
- Gostas de ler querida?
- Gosto muito - respondeu a menina - Mas aqui nesta casa não tenho livros. Tive que os deixar na outra casa, quando nos tivemos que mudar.
- E porque não os trouxeste contigo?
- É complicado explicar - respondeu a menina. Ficaram em silêncio as duas. A menina mordeu o lábio.
- Eu não gosto de livros que falam de amor. - comentou a menina baixinho, quase inaudível.
- Porque não? - perguntou a senhora
- O Amor só faz sofrer. Eu não quero sentir o Amor nunca na minha vida. - respondeu a menina.
A velha senhora ficou alguns minutos sem saber que responder. Uma criança que dizia que não queria sentir amor? Certamente não saberia do que falava, ou saberia?
- Sabes querida, acho que o Amor não se escolhe, não se evita. Simplesmente acontece. Mas conta-me porque não gostas tu do Amor?
- O Amor é mau faz a minha mãe chorar, andar triste, já nem me dá miminhos nem nada.
- Que aconteceu ao Amor da tua mãe? - perguntou a senhora com cuidado para não magoar a menina
- Deixou-nos. O meu pai foi embora, deixou-nos a mim e à minha mãe. Disse que amava outra senhora, com quem ia ter outra menina. De um momento para o outro o seu amor por mim e pela mamã passou. E agora estamos sózinhas as duas. Mas a mãe chora. Eu não choro, sou corajosa. Por isso digo que o amor é mau, faz sofrer as pessoas.
A senhora ficou em silêncio. Realmente que dizer a uma menina daquela tentra idade que já não acreditava no amor? Procurou as mãos da menina, puxou-a para mais perto de si e sussurou-lhe ao ouvido.
- Nunca poderás afastar o amor da tua vida. Há muitas formas de amar, e o amor é tão mas tão imenso que o podes sentir por qualquer pessoa, por qualquer animal, por qualquer coisa nesta vida. Escuta as palavras desta velha senhora que amou muito nesta vida. Amei homens, amei mulheres, amei crianças, amei velhos, amei novos, amei filhos, amei netos e muitos mais exemplos te poderia dar de amor que vai muito além do amor entre um homem e uma mulher. Sim quando se pensa em amor, pensa-se logo nas relações homens e mulheres. Mas e as outras formas de amor? Por exemplo, dizes que não queres mais o amor na tua vida, e o amor pela tua mãe, vais abdicar dele?
A menina olhou a senhora. Não esperava esta resposta. Realmente e o amor que sentia pela mãe. Era uma forma de amor não era?
- Não. - respondeu
- Vês, é isso que eu quero dizer. A pessoas são acima de tudo seres que sempre amam alguém ou alguma coisa. O amor é imenso, tem muitas ramificações. Pode deixar-nos nas nuvens, como nos pode deixar no chão. É assim mesmo. Mas o que o torna especial, o que o torna aliciante, e digno de ser vivido é mesmo esta incógnita que ele é. Mesmo que sintas Amor por uma pessoa, que não te ama de volta, esse amor simplesmente não desaparece porque a pessoa não te ama igualmente. Amarás essa pessoa enquanto o sentires dentro de ti. Quer tenhas essa pessoa ao lado ou não. É isso que acontece á tua mãe, ela está agora a curar-se da ausência que sente, mas nunca é mau sentir amor, minha querida. Mais vale amar e perder, do que não ser capaz de amar. Vou-te ler uma passagem deste livro, que é um dos livros que mais gostei de ler na minha vida, e olha que eu já li muito.
E a senhora começou a leitura:
"Era uma vez um rapaz que amava uma rapariga, e o riso dela era uma pergunta que ele queria passar a sua vida toda respondendo. Quanto tinham dez anos ele pediu-a em casamento. Quanto tinham onze anos ele beijou-a pela primeira vez. Quanto tinham treze anos zangaram-se e passaram três semanas sem se falar. Quando tinham quinze anos ela mostrou -lhe a cicatriz que tinha no seu peito esquerdo. O amor deles era um segredo que não contavam a ninguém. Ele prometeu-lhe que nunca amaria mais nenhuma rapariga enquanto vivesse. E se eu morrer? ela perguntou-lhe. Mesmo assim, ele respondeu. No seu décimo sexto aniversário ele ofereceu-lhe um dicionário de inglês e juntos aprendiam as palavras. O que é isto? ele perguntava-lhe, enquanto o seu dedo percorria o seu tornozelo, e ela ia procurar a palavra. E isto? ele perguntava, enquanto beijava o seu cotovelo. Cotovelo? Que palavra é esta? então ele lambia-o, fazendo-lhe cóecegas. E isto? ele perguntava, tocando a pele delicada por detrás da sua orelha. Eu não sei, ela disse, desligando a lanterna, deitando-se de costas com um suspiro. Quando tinham dezassete anos fizeram amor pela primeira vez, numa cama de palha numa cabana. Mais tarde - quando as coisas aconteceram que eles nunca haviam imaginado - ela escreveu-lhe uma carta que dizia: "Quando vais aprender que não há uma palavra para tudo?"
A velha senhora parou a leitura. A menina ficou em silêncio.
- Então isso quer dizer que o amor é muito mais que uma palavra, que provoca sensações que não há palavras para descrever, que pode proporcionar felicidade e ao mesmo tempo tristeza?
- È isso mesmo querida.
- E os seus amores?
- Os meus amores já partiram, resto apenas eu, e os meus livros. Mas enquanto me fôr permitido ler o que as outras pessoas escreveram sobre o amor, serei feliz.
- Empresta-me o livro? - perguntou esperançosa.
- Só se me prometeres que não deixarás o amor á porta, que o vais deixar entrar. Mesmo que cause dor, deixa-o entrar.
- Prometo.
E com a promessa selada ficaram ali por mais alguns minutos até que a menina disse que estava atrasada para a escola. Saiu de lá a correr com o livro na mão. A velha senhora ficou a olhar o vazio por mais uns minutos, entrou dentro de casa fechando a porta. Subiu as escadas dirigindo-se ao quarto. Sentou-se na beira da cama, acariciou um rosto que ali repousava. Um rosto já muito mal tratado pela idade, que não a reconhecia já. Mas um rosto que ela amava com todo o seu ser. E equanto houvesse um sopro dentro daquele corpo ela encontraria sentido para o seu coração continuar a bater também.

Autoria: Lcarmo (Bela)
Citação do livro "A história do Amor", Nicole Krauss

Recomendo vivamente a leitura acima mencionada a todos os que gostam de uma linda história de Amor.

Thursday, March 4, 2010

A dança do Silêncio


"Ele segurou-a ternamente no seus braços. Ao som da música começaram a mexer-se, seus corpos encaixando na perfeição. A cabeça dela repousou serenamente em seu ombro. A respiração dele incidia sobre o pescoço dela, causando-lhe arrepios. Os movimentos eram suaves, sensuais. A firmeza dos braços dele, faziam-na sentir-se amparada, querida. A mão dela pousava discreta por cima do seu ombro, seus dedos inconscientemente acariciaram o cabelo dele. A graciosidade reflectida nos movimentos era latente, a química essa era mais que óbvia. Existia ali uma sintonia, um desejo escondido. A junção dos dois corpos, como se fosse apenas um, a coerência como deslizavam pela pista por demais evidente. Não precisavam de palavras. Estavam em silêncio. Apenas seus corpos comunicavam, o olhar e o toque. Aquele momento para eles era eterno, não havia música, não havia gente ao lado, não havia barulhos. Apenas o silêncio das palavras não ditas, os corações em sintonia. Apenas ele e ela."

Autoria: Lcarmo (Bela)
Desafio Fábrica de Letras: SILÊNCIO