Tuesday, January 4, 2011

O Regresso

Transpôs a porta do café de mão dada com o menino. Agarrou-se com mais firmeza aos pequeninos dedos que se encaixavam nos seus. Uma rajada de vento acompanhou a sua entrada provocando o tilintar dos copos pousados sobre o balcão. O murmúrio habitual cedeu a um lugar a um silêncio quase sepulcral. Mil olhos pousaram sobre os seus ombros, seu coração batia tanto tão forte que receou sucumbir ali mesmo. Acercou-se do balcão. Uns olhos castanhos, frios, devolveram o seu olhar.
- Era uma meia de leite se faz favor. E uma nata. - pediu educada.
Nada.  Um simples virar de costas foi a resposta que obteve. Sentiu um leve sussurrar nas suas costas. Virou-se. Alguns olhares cruzaram os seus, outros culposos escaparam-se a esse contacto. Num gesto carinhoso afagou os cabelos do menino. Fingiu que os sussurros não chegavam até si, filtrados pela sua percepção.
"Ouvi dizer que não se sabe quem é o Pai..."; "Veja lá comadre, saiu daqui para estudar e agora volta com um filho nos braços, deve ter estudado muito deve!"...
Engoliu em seco. Sempre as mesmas censuras, sempre o preconceito latente em todos os seus passos. Ainda nem há dois dias chegara e já tinha vontade de fugir, Fugir, escapar aos olhares recriminadores de quem sempre se julgou imune aos infortúnios da vida. Telhados de vidro que a qualquer momento poderiam quebrar mas aos quais todos eram alheios. Sempre era e será bem mais gratificante de se falar da vida dos outros não era? Voltara sim mas contrariada. Se não fosse devido à doença de sua mãe nunca teria colocado os seus pés em terrenos como aquele. Conteve a lágrima que teimava em inundar-lhe a vista. Sentiu-se sufocar. Pegou no menino ao colo, aconchegando-o mais ao seu corpo, tentando a custo protegê-lo dos olhares inundados de maldade.
- Não vás. - uma voz ecoou atrás de si ao mesmo tempo que uma mão tocava no seu ombro. Virando-se lentamente reconheceu os olhos doces do José, seu amigo de infância e que agora era o Pároco da aldeia . Sorriu timidamente, sentindo-se culpada pela quebra de laços, pelo interromper dos afectos tão abruptamente, pela fuga da vida que a esperava ali. Mas não encontrou recriminação de espécie alguma naquele olhar, apenas o conforto de uma alma que não se quer pura, mas sim livre de preconceitos, de julgamentos precipitados. Tirou-lhe o menino dos braços, obrigando-a segui-lo para uma mesa mais ao fundo.
- Penso que a Adriana tenha feito um pedido, Maria. Ou estás demasiado ocupada para atender? - disse o Padre José enquanto se acercava do balcão.
- Já vou Sr. Padre - disse Maria correndo para atender o seu pedido.
Dirigindo-se à plateia que o observava em silêncio apenas disse:
- O bom paroquiano, temente a Deus, é aquele que não julga o acto dos outros, é aquele que não recrimina sem se inteirar da veracidade dos factos. Simplesmente há verdades que apenas aos próprios dizem respeito e não têm que ser partilhadas com ninguém. Espero que o que se passou aqui hoje, seja apenas um episódio solto, fruto da vossa aguçada curiosidade e cada um se preocupasse com a sua própria vida e não com a vida de outrem.

Ninguém lhe respondeu. Por vezes o silêncio é a resposta possível.

Autoria: Lcarmo (Bela)
Desafio Fábrica de Letras
Tema: Preconceito