Sunday, February 28, 2010

O silêncio da tua Ausência


"Esta noite senti frio. Um frio imenso, o sono não chegava,o meu corpo ressentiu-se das voltas dadas na cama. A minha mente, essa sim a culpada de tal desassossego. Sempre com partidas. Sempre a mostrar-me imagens que eu não queria ver. O silêncio da noite é propício a que os nossos fantasmas nos atemorizem. Tentei escutar algum som vindo de lá de fora que aquietasse o meu coração. Mas não escutei nada. O silêncio era completo. Escutava era o som da tua voz ecoando nos meus ouvidos, vislumbrei esse teu sorriso que tem a capacidade de fazer o meu coração bater descompassado. A culpada é a minha mente que me coloca estas imagens de forma tão real que por vezes julgo te sentir ao meu lado. Tacteio no escuro, na esperança vã de sentir o teu corpo próximo ao meu. Mas ele não está. Mas eu queria sentir-te aqui ao pé de mim. Queria que me abraçasses, sabes que não gosto do silêncio, aterroriza-me estar aqui sozinha, privada da tua presença, privada dos teus beijos, privada do teu amor. Dizem que o silêncio é propicio para colocarmos as ideias em ordem, em mim tem um efeito totalmente contrario. Assusta-me. Mesmo ausente de barulhos, a minha mente produz uma quantidade deles. O vento lá fora que sopra forte, os carros que passam na rua, os cães dos vizinhos que ladram, o próprio barulho da minha cama a ranger faz-me estar consciente de que o silêncio que sinto em mim, é o silêncio que vem das palavras que nunca vou ouvir da tua boca, das sensações que gostaria de sentir contigo , as quais nunca sentirei. Silêncio. Eu queria silêncio que me livrasse das memorias que tenho de ti, queria esquecer o som da tua voz, queria esquecer a tua gargalhada. Queria ter uma tecla de apagar algures no meu coração que me fizesse esquecer o que significas-te para mim. Silêncio é tudo o que irei ter de ti agora. Irei me afogar nesse silêncio para esquecer as lembranças que tenho de ti. Mente traiçoeira essa que traz para o meu leito quem quero esquecer, me faz sentir o passar dos segundos, minutos, hora de forma lenta e agonizante. Se o sono viesse, se o sono me embebedasse, esqueceria por algumas horas a tua presença. Então quando o sono chegar, vou –me entregar aos seus braços, tal qual uma amada se entrega nos braços da sua amante. Quero que ele me embale, me faça perder os sentidos, principalmente apague por umas horas que seja as lembranças que tenho de ti. No silêncio desta noite quero te esquecer, quero te arrancar de dentro de mim. Podes voltar durante o dia, mas á noite, á noite deixa-me sozinha com o meu silêncio. Já que não te tenho fisicamente, quero-te ausente do meu leito, não quero me iludir que estarás ao meu lado, quando ambos sabemos muito bem onde estás. "

Autoria: Lcarmo (Bela)
Desafio do mês de Março da Fábrica de Letras
Imagem: corbis.com

Thursday, February 25, 2010

O beijo


"Olharam-se. Os olhos dele procuraram os dela. No meio da multidão. No meio do barulho. Tudo parou. Apenas a consciência física de ambos. Ficaram assim por intermináveis segundos, minutos? O tempo é sempre relativo quando o coração parece querer saltar do peito. Apenas se ouvia o coração de ambos a bater. Ela enrubesceu. Sentiu o olhar dele queimando-lhe o corpo. Nenhum deles sorriu, nenhum deles fez nenhum gesto de aproximação. O olhar esse unia-os tal qual um laço imaginário. Alguém lhe disse algo ao ouvido, por momento a corrente de energia quebrou-se quando ela olhou para o seu interlucutor. Respondeu. Ou melhor balbuciou uma resposta não sabendo sequer qual tinha sido a pergunta. Procurou-o novamente. Já não estava ali. Teria sido um sonho? Teria sido a sua imaginação mais uma vez a pregar-lhe partidas? Sentiu de repente uma falta de ar, uma asfixia que lhe provocou calores. Correu para a varanda. Sentiu o ar fresco da noite que lhe acariciou o rosto. Segurou-se ao varal. Olhou lá para baixo. Uma vertigem a percorreu. E se largasse a mão? Qual seria a sensação de se entregar nos braços da noite? Ampararia-lhe a queda? Iria deslizar até ao abismo que a engoliria? Subiu. Tentou se equilibrar. Era difícil tentar o equilíbrio de saltos. Desequilibrou. Uma mão forte a agarrou antes que fosse tarde demais. Ele puxou-a para si. Ficaram ali abraçados. Sem palavras. Apenas sentiam a proximidade um do outro. Ela traçou linhas imaginárias no seu rosto, seu dedo desenhou os contornos daquele rosto que tanto amava, tocou ao de leve os lábios que nunca provara. A corrente de energia era grande, ele estremeceu. Colocando-se em bicos de pés, encostou seus lábios aos dele. Suavemente. Sentiu o tremor que o percorreu. Suas mãos apoiavam-se no seu peito. O momento pareceu eternizar-se ali, naqueles braços, naquele beijo. Ele puxou-a mais para si, correspondeu totalmente aos lábios que o convidavam. Beijaram-se. Assim sem medos, assim sem reservas. Ambos sabendo que seria o primeiro e seria o último. Mas a recordação desse primeiro beijo já ninguém lhes tirava. Ela soltou-se dos seus braços, olhou-o mais uma vez nos olhos e desapareceu na noite. Ele ficou ali, sozinho, pensando no que tinha acabado de acontecer. Seria sonho? Seria realidade? Outra realidade o esperava, lá dentro, provavelmente á sua procura. Virou costas e entrou."

Autoria: Lcarmo (Bela)

Sunday, February 21, 2010

Momento: a duas vozes (parte XIII)


ELE

Já era a segunda vez que tentava ligar à Marylin e ela não atendia. Estranhei, mesmo que por vezes não atendesse, por norma retornava sempre as chamadas. Pousei o telemóvel, enquanto que vestia o casaco. E se lhe fizesse uma surpresa? Podia ir esperá-la ao trabalho, podíamos ir jantar a um restaurante ou então íamos para casa e cozinhávamos alguma coisa em conjunto. O telefone tocou. Sorri. Devia ser ela. Olhei para o visor. Não era a Ana.

- Olá Ana – cumprimentei ao atender.

- Helder tens que vir rápido. A menina sofreu um acidente. Estamos no hospital.

- Hospital? O que aconteceu Ana? – perguntei enquanto agarrava nas chaves do carro e saí a correr da empresa.

- Não é nada de grave, mas é melhor vires até cá.

- Vou já para aí!

Desliguei, as minhas mãos tremeram. Tinha que avisar Marylin. Tentei ligar-lhe novamente. Nada. Não atendia. Atirei o telemóvel para o banco do passageiro. Mais tarde tentaria novamente , agora teria que pensar na minha pequena.

Não sei como cheguei ao hospital tão rápido. Não tenho recordação do percurso. Corri para a recepção, identifiquei-me. Fui logo prontamente encaminhado para o sitio onde estava a a minha menina. Ana quando me viu abraçou-se a mim.

- Ainda bem que vieste! Eu estou tão aflita. Foi num segundo….

- Calma Ana! Onde está a menina? – perguntei enquanto procurava o seu rostinho por entre tantos rostos pequeninos que me olhavam,

- Está a ser vista agora. O Pedro está com ela. Não tive coragem de entrar. Era tanto sangue! – e começou a chorar. Abracei-a. Parecia uma criança grande assim aninhada nos meus braços. Forcei-a sentar-se numa cadeira. Aninhei-me á sua frente.

- Que aconteceu Ana? – perguntei, tentando incentivá-la a contar-me.

- Estávamos as duas a jardinar, ela mesmo ao meu lado. Não sei como, por uma fracção de segundos distraí-me, a menina tropeçou, caiu e bateu com a cabeça . Não consegui ver em que bateu, só sei que era tanto sangue, ela chorava. Entrei em pânico, se não fosse o Pedro estar em casa não sei o que teria sido..

- Shhhhh Ana, sossegue. São coisas que acontecem. Acidentes destes acontecem todos os dias aos miúdos. Tenho a certeza que vai tudo ficar bem. – assegurei, não sei se para a convencer a ela ou para me convencer a mim mesmo. – Espere aqui um bocado, vou falar com a enfermeira.

Dirigi-me á enfermeira. Ela prontamente me indicou uma porta ao fundo do corredor. Disse que poderia entrar, era só bater á porta. Com passos apressados fui até lá. Bati. Tive que esperar alguns minutos até que alguém viesse abrir a porta.

- Sim ? – perguntou uma enfermeira do outro lado.

- Sou o pai dessa jovem que está agora a ser observada. – sorri, senti-me orgulhoso de me identificar como tal.

- Ah é pai desta jovem corajosa que não chora, que só quer ela agarrar nos instrumentos? Então pode entrar – disse ela enquanto me abria a porta.

E ali estava a minha pequena. Sentadinha no colo do médico enquanto a enfermeira lhe fazia o curativo. Sorriu-me. – Papá! Disse enquanto estendia as mãozinhas para mim. Toquei seu rostinho lindo. Cumprimentei Pedro que estava com cara de quem tinha passado por um dos maiores sustos da vida dele. Sofia começou a ficar inquieta. Queria a todo o custo livrar-se dos braços do médico. Começou a chorar. Fiquei um bocado sem saber que fazer. A enfermeira fez –me sinal para sair da sala. Obedeci prontamente. Era melhor deixar os profissionais fazer o seu trabalho. Sentei-me ao lado de Ana. Ela já estava mais calma, embora ainda chorasse. Decidi tentar ligar á Marylin novamente. Procurei nos bolsos do casaco mas não encontrava o telemóvel. Lembrei-me que o havia atirado para o banco do passageiro e lá com certeza teria ficado. Com a pressa de entrar no hospital nem me ocorrera pegar nele. Paciência. Mais tarde lhe ligaria.

Ana colocou uma mão no meu ombro. Dei-lhe a minha. Ficamos assim em silêncio. Apesar das nossas divergências ela era uma boa senhora.

- Deves estar furioso comigo – sussurrou ela.

- Não Ana, não estou. São coisas que acontecem, podia ter sido comigo.

- Mas eu fui negligente e ….

- Ana não foste nada. Foi só um arranhão, um arranhão grande, mas com certeza não vai ser o primeiro da vida dela. E estes são os que deixam menos sequelas. Nunca a poderemos proteger de tudo de mal. Infelizmente a nossa guarda por mais boa que seja nunca a protegerá de todos os males. E a Ana sabe bem disso.

Ela engoliu um soluço. Lembrou-se com certeza de Mariana. Não devia ter dito o que disse.

- Eu não fui justa contigo Helder. Da ultima vez que nos encontramos deixei-me levar pelas emoções. Mostrei um lado meu que nem eu sabia existir. Depois do episódio de hoje tens todo o direito de me retirar a tua filha. E eu vou deixá-la ir. Sem complicações, sem chatices. Estou a envelhecer, a ficar negligente. Este episódio de hoje veio me mostrar que eu não sou sempre a dona da razão. Que ninguém é mais capaz de cuidar de um filho que o próprio pai. Por isso se achares que esse é o caminho, não te impedirei.

- Ana, eu não pretendo chegar e levar a menina de uma vez. Gostava de a ter mais perto de mim. Mas agradeço e aprecio sinceramente todo o cuidado e carinho que a Ana e o Pedro lhe deram. A minha filha jamais se irá afastar dos avós. Apenas quero estar mais próximo dela. Mas eu preciso de ajuda. Eu não sei ser Pai, preciso de alguém que me oriente, que me diga o que fazer. Para isso conto consigo e com o Pedro.

- Mas tens a tua namorada! – disse ela

- Sim tenho, mas ambos somos ignorantes nesta matéria. Não lhe vou mentir, dizer que não englobo a Marylin no meu futuro porque estaria mesmo a mentir descaradamente. A verdade é que eu gosto mesmo muito dela, gostava de formar uma família, eu, ela e Sofia. Mas isso não significa rompimento com vocês de forma nenhuma. Sofia precisa dos avós. E eu quero que a lembrança de Mariana esteja sempre presente. Não quero que a minha filha cresça sem saber quem foi a mãe dela. Mesmo que ela venha a amar a mulher com quem estou, a mãe dela sempre será a Mariana, e pretendo que ela saiba e se orgulhe da mãe maravilhosa que teve, mesmo que tenha sido privada da sua convivência.

Ana recomeçou a soluçar. Abracei-a. Ficamos ali por muitos minutos, tantos que nem sei precisar quantos foram. O caminho para o entendimento estava traçado. Este episódio infeliz acabara por nos colocar do mesmo lado da trincheira, ambos entregando as armas. Olhei para o lado, ali estava a minha menina do colo do avô. Correu para mim, também ela se abraçando á avó. Ali ficamos os três em silêncio, apenas se ouvindo o bater dos nossos corações.

Autoria: Lcarmo (Bela)

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Wednesday, February 17, 2010

Momento: a duas vozes (parte XII)

ELA

De volta á realidade. Mais uma semana que começava, o dever chamava. Tinham sido dois dias fantásticos, em que me rendi aos encantos de Sofia e fiquei ainda mais apaixonada pelo Helder. Os homens quando se entregam a uma criança conseguem ser fantásticos, vi um brilho nos olhos dele que nunca antes tinha visto, uma alegria que contagiava quem estava ao seu lado. E Sofia, Sofia era um amor de bebé, não dava trabalho nenhum, obediente, raramente chorava ou lamuriava. A forma como me deixou aproximar-se de si, tocou-me imenso, amava aquela pequenina como se fosse minha, ou talvez até mais.
Olhei pela janela do escritório. O chefe tinha convocado uma reunião que iria com certeza prolongar-se pela noite dentro. Era costume, Hoje não daria para ver o Helder. Enviei uma mensagem a avisá-lo que sairia bastante tarde do escritório mas se ele quisesse poderia esperar por mim em minha casa. Ainda daria para pelo menos podermos adormecer lado a lado. Sorri. Um pensamento malandro cruzou a minha mente. Agarrei nos meus apontamentos e fui para a reunião.
O chefe já me esperava. Folheava uma revista da concorrência. Sorriu-me quando entrei:
- Marylin, então como estás?
- Bem Miguel, e tu como estás? - o tratamento entre nós sempre tinha sido informal, afinal tínhamos sido colegas de licenciatura. E isso não se alterou quando ele me convidou para fazer parte da empresa que tinha herdado do Pai. Era um bom amigo, sem dúvida que sim. Bom profissional, alguém que sabia o que queria e conseguia o que queria. Tínhamos um bom entendimento.
- Trouxe-te os gráficos que me pediste. - disse-lhe eu enquanto lhe entregava as folhas.
- Podes pousar aí, mais tarde vou analisá-los. Não sei se tinhas algum assunto em mãos quando solicitei esta reunião, mas precisava mesmo de falar contigo hoje sem falta. Tenho vindo a adiar esta conversa há alguns dias, mas não posso adiar mais. - olhou-me directamente nos olhos.
O meu coração disparou, por momento passou pela minha mente o facto de poder vir a ser dispensada. Tentei parecer serena, inabalável. Apesar de a empresa ter estabilidade financeira, os mercados estavam cada vez mais difíceis e os contratos de publicidade atravessam uma fase estagnada.
- Estamos com problemas em Londres. O Adam despediu-se esta semana, teve uma contra-proposta irrecusável e vai sair dentro de alguns meses. Como sabes isto é desastroso. Ele era o meu braço direito lá, estou mesmo desnorteado com este assunto.
- Iremos ter que contratar alguém para o substituir. - respondi eu
- O problema é esse mesmo, ele é insubstituível. Mesmo que contratasse alguém iria demorar muito tempo para conseguir formar alguém para estar á altura dele. Sabes que é um trabalho de muita responsabilidade, não existe mais ninguém acima dele. E temos uma equipa de 12 pessoas para gerir. Não é tarefa fácil.
Suspirei. Sim Adam era realmente insubstituível.
- Por isso só me ocorre uma pessoa capaz de o substituir. Tu.
- Hmmm? Eu? - perguntei incrédula
- Sim tu, quem mais? Tu geres este escritório aqui, serás bem capaz de gerir o outro. Só muda a língua, o conteúdo e trabalho será basicamente o mesmo.
- Mas eu nunca conseguirei gerir um escritório estando tão fisicamente longe dele! Isso é impensável Miguel!
- Eu não te estou a dizer para o gerires daqui obviamente, isso não fazia sentido. Terás que ir viver para lá. Eu já pensei...
Deixei de o ouvir. Mil pensamentos afluíam à minha mente a uma velocidade estonteante. Mecânicamente peguei no copo para beber um gole de água, sentia a garganta seca, a sala rodopiavava á minha volta.
- Estás a ouvir o que estou a dizer? - perguntou ele enquanto me colocava a mão no ombro. Delicadamente retirei-lhe a mão, não gostava das confianças excessivas dele. Ela sabia qual era a minha opinião em relação a toques mais pessoais entre nós. Isso já tinha terminado há muito.Algures nos tempos de faculdade.
- Sim - balbuciei.- mas eu não posso ir! - O ricardo está a contar comigo para o cargo de editora-chefe eu já lhe tinha dito que estava interessada no cargo mal o André se reformasse.
- Isso já está tratado. Neste momento fazes mais falta em Londres do que aqui. Acredita vai ser um bom desafio para ti, vais ganhar mais obviamente e não terás custos nenhuns a não ser o teu dia-a-dia, o resto será suportado pela empresa.
- Miguel, eu... - mordi o lábio. Não queria de forma alguma sair do país. Se esta promoção tivesse saído antes do Helder ter entrado em minha vida, eu nunca hesitaria, aceitaria de imediato. Mas agora... agora havia alguém que me prendia cá. Alguém que dependia de mim para o ajudar na batalha que ia iniciar. Como poderia apoiá-lo estando fisicamente tão longe? Como ficaria a nossa relação, os nossos sentimentos? - E se eu recusar-me a ir? Não poderás certamente obrigar-me.
- Não posso obrigar-te, mas estou-te a pedir como amigo e não como patrão. Preciso de ti Marylin, não me falhes agora.
"Precisas tu e precisam os outros" pensei. Levantei-me, caminhando até á janela. Olhei a paisagem, o vai vém dos carros, das pessoas, a azáfama citadina. Tentei conter as lágrimas que teimavam em brotar dos meus olhos. A muito custo consegui..
- Sabes que agora tenho uma relação mais ou menos estável, não me queria afastar daqui agora.
- A tua carreira não pode ficar em suspenso só porque tens uma relação. Todos as temos, algumas mais intensas que as outras. Mas estamos a falar da tua carreira. Uma oportunidade única na vida que te estou a oferecer, mas a verdade é que não posso confiar em mais ninguém. Estou de pés e mãos atados. Se não aceitares, provavelmente irei encerrar a empresa lá e aquela gente toda vai para o desemprego.
Estava a fazer chantagem emocional. Ele sabia bem como tocar nos meus pontos fracos. Sabia que não hesitaria em me sacrificar em prol dos outros, sabia que eu era alguém que seria incapaz de prejudicar outra pessoa. Ele sabia e estava a jogar esse trunfo. Olhei-o nos olhos. Uma vontade de sair porta fora, agarrar nas minhas coisas e fugir. Não ter que decidir, não ter que escolher coisa alguma. Qualquer escolha que fizesse iria magoar uma das partes, inclusive a mim própria. Ele era um homem de negócios, tinha cifras em lugar do coração, era prático, nada agarrado a estas coisas das relações e da dependência por alguém que se ame. Por isso a nossa relação não resultara. Era frio, demasiado prático para se deixar comover por emoções. Um típico homem de negócios. E sabia que a minha resposta sempre lhe seria favorável, pois apesar de tudo eu sempre tinha sido casada com o trabalho, até ao dia que conheci o Helder e me comecei ligeiramente a divorciar.
- Preciso de pensar - tentei ganhar tempo. - Posso te dar a resposta amanhã?
- Amanhã sem falta.
- Amanhã te darei a resposta. - disse enquanto me levantava e me dirigia para a porta.
- Marylin- chamou-me, virei-me para o olhar - Pensa no bem da empresa, no bem que estarás a fazer por aquelas pessoas, o emprego delas está em risco.
- E o meu bem, Miguel? - perguntei com mágoa na voz
- Tens sempre opção de largar tudo, mas sei que não é isso que queres.
- Porque tenho a sensação que me estás castigar por algo? -
- Não te estou a castigar, estou a dar-te uma oportunidade de mudares o rumo da tua carreia. Qualquer pessoa ficaria deliciada com esta proposta.
- Mas eu não sou qualquer pessoa - retorqui
- Não, mas é uma mulher moderna, que lutou para chegar até aqui e não me parece que vá desistir agora, porque essa palavra não existe no teu dicionário.
Abri a porta e saí. Por momentos pareceu-me vislumbrar-lhe um sorriso de triunfo. Teria sido impressão minha? Dirigi-me ao meu gabinete, batendo com a porta ao entrar. Estava furiosa. Na minha vida nunca nada acontecia no timming perfeito, agora que tinha tudo para me prender cá, surgia algo que me obrigava a ir para lá. A sensação de não ter controle sobre a minha vida me assolava. Com um gesto brusco e rápido empurrei as coisas que estavam em cima da secretária para o chão. Fizeram um estrondo enorme. Aninhei-me para as apanhar. As forças esquivaram-se, fiquei prostrada no chão, as lágrimas a escorrer e uma sensação de estar perdida num labirinto me invadiu? Que caminho escolher?

Autoria: Lcarmo (Bela)
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Monday, February 15, 2010

Arco Irís

PARA ALÉM DO ARCO IRIS - TEMA


"Estou para além do arco Irís. Sabes num lugar maravilhoso, onde tudo o que me rodeia é de um verde resplandescente. Toco com meus dedos a textura das flores, sinto a suavidade das folhas, as gotas do orvalho molham-me as mãos. Levo-as ao meu rosto, sentindo o seu contacto com a minha pele. Uma gota escorrega, malandra, em direcção ao meu seio. Rodopio numa incessante leveza, o meu vestido branco, singelo que só ele, molda-se ao meu corpo. Eu e ele somos apenas um. Os meus pés descalços sentem a suavidade da relva, desenho corações imaginários com os meus dedos. Ouço o suave cantar dos passarinhos, o esvoaçar da brisa nas árvores. Tudo aqui é calmo, acolhedor, convida a escondermos os nossos fantasmas bem no fundo do nosso ser. Sabes, eles aqui não têm lugar, aqui apenas as boas emoções, as coisas positivas são capazes de sobreviver. Sinto - me diferente aqui, sinto que encontrei o lugar que me dará a estabilidade que procuro. Meu sorriso mais alegre, meus olhos brilham quando os raios de sol aquecem minha pele. O meu cabelo solto ondula ao saber dos meus movimentos. A brisa quando passa acaricia-o tal qual um amante acaricia o cabelo da sua amada depois de se entregarem um ao outro. Só me fazes falta aqui tu. Queria poder deitar-me contigo neste verde resplasdescente, deixar que o sol aquecesse nossos corpos, sentir o teu toque na minha pele. Queria que pudesses ver o que os meus olhos vêm, sentir o que o meu coração sente. Queria. A água do rio é quente, entro levemente, primeiro colocando um pé, a seguir o outro, mergulho de cabeça. O meu corpo estremece. Toco a água, brinco com ela, as minhas mãos desenham círculos, salpico tudo ao meu redor. Podias estar aqui comigo. Nadar ao meu lado, eu entrelaçava meu corpo no teu. Porque não vens?
Disse - te que me podias encontrar aqui. Deixei-te as pistas para me seguires, esqueceste-te? Para me encontrares só tens que reunir as sete cores do arco íris na tua vida. O vermelho que simboliza a nossa paixão: o laranja que simboliza a euforia de cada vez que nos reencontramos; o amarelo encontras nos girassois que decoram a minha varanda; o verde encontras no meio ambiente que te rodeia, simboliza a esperança; o azul encontras na harmonia dos nossos sentidos, na paz que nos envolve; o indigo é mais difícil de encontrares, para algum olho humano é indecifrável, flutua algures entre o violeta e o azul; o violeta por si é uma cor de carácter relaxante. Deixa entrar a cor na tua vida meu amor... deixa... vês a minha mão estendida daqui, querendo agarrar a tua? Vem para aqui, para junto de mim. Este lugar é demasiado grande apenas para mim, quero dividir contigo este mundo apenas meu. Deixarte-te-ei a porta entreaberta, para que possas entrar. Totalmente aberta não senão qualquer um pode querer entrar e eu não quero qualquer um, quero-te a ti. Vem então ter comigo para juntos experimentarmos as sensações que estão para além do Arco Irís onde eu me encontro....."

Mais um texto que escrevi para um desafio da Blogosfera

Friday, February 12, 2010

A solidão


"Olá sou a solidão. Não se assustem que hoje estou de folga. Tenho tido bastante que fazer sabem? isto de andar a completar o que o amor e amizade deixam por fazer sinceramente deixa-me muito cansada. É que vocês não sabem mas esses dois gostam muito de desleixar as tarefas que têm que fazer. Eu bem tento chamá-los á razão, tento convencê-los de que se eles não fizerem o trabalho deles, tenho que ser eu a avançar. E toda a gente sabe que eu só apareço quando alguém não fez o que devia ter feito. O amor não sei o que se passa com ele, já o repreendi , anda sem brilho, desmotivado. Esconde-se, por vezes andamos dias e dias á procura dele. Cá para mim ainda vai ser penalizado em faltas, pois não consegue justificar porque simplesmente não aparece para trabalhar. A amizade estes dias confessou -me que não se sente confiante para continuar o seu trabalho, está desmotivada. Tenho que ver se falo com as entidades superiores para ver conseguem animá-la. É que as pessoas até conseguem viver sem amor durante um período de tempo, mas sem amizade não. Nestes últimos dias de trabalho tenho caminhado por essa vida fora, tenho visto tantas pessoas cabisbaixas, tristes, claro que eu não resisto e aproximo-me delas. Se não for eu a aparecer que seria das pessoas? É que vocês podem não saber, mas eu vou-vos contar um pequeno segredo sobre mim. O amor e a amizade só se conquistam depois de eu estar calmamente instalada. Costumam dizer -me que são mais fortes que eu, pois mal aparecem as pessoas tratam logo de me despachar. Eu deixo-as pensar isso, mas a verdade é que se não fosse por mim eles nunca mais faziam o trabalho deles. E as pessoas teriam que viver comigo para sempre. É difícil ser-se como eu. Eu sei que as pessoas nunca me vão preferir a um deles, como posso eu competir com sensações que deixam as pessoas felizes? Não posso. Nem queria. Limito - me a fazer o meu trabalho, ou seja, sempre que os outros dois não fazem o seu. Ultimamente realmente tenho tido muito que fazer, mas isto são fases. Logo logo aqueles dois depois de chamados á razão vão ter que arregaçar as mangas e começar a trabalhar. E eu? Eu vou finalmente poder ter as férias que bem mereço. Que isto de se trabalhar sem pausas está a ser muito cansativo para mim. Mas não se entusiasmem... Que eu vou ter que voltar para estar de olho nos outros dois.... por isso aproveitem bem a minha ausência... "

Autoria: Bela (Lcarmo)

Tuesday, February 9, 2010

Momento: a duas vozes (parte XI)



ELE

Observava-as de longe. A empatia de Marylin com Sofia foi imediata. Olharam-se e entregaram-se. Marylin parecia estar a adorar a experiência, a conquista de Sofia. Sofia estava feliz. Nunca tinha visto a minha bebé tão feliz. Estávamos os três a ter momentos inesqueciveis, longe dos problemas, longe dos conflitos. Suspirei. Um suspiro que veio bem cá do fundo, sabia o que me esperava, não ia ser uma batalha fácil conseguir ter Sofia na minha vida outra vez. Suspeitava que Ana não me ia nada facilitar as coisas. Eu compreendia a dor dela, nem quero por algum momento pensar o que seria perder a Sofia, mas a verdade é que ela não podia pensar apenas nela mesma, nem Sofia seria substituta do que Mariana foi. Sentado na areia, senti a brisa que vinha do mar, brisa essa que brincava com os cabelos delas, arrastavam o som das suas gargalhadas para longe. Sim estava a ver um fim de semana espetacular. Eu estava a adorar cada minuto, que cada vez mais parecia se aproximar do fim. Marylin sentou-se ao meu lado, colocando o braço por cima do meu ombro.
- Estás feliz? perguntou-me ao mesmo tempo que me dava um beijo carinhoso
- Sim estou claro. Como poderia não estar?
- Helder, sabes que tenho medo do que aí vem. - disse ela, seu olhar escurecendo um pouco
- Eu sei, eu também tenho medo. Não queria que ninguém sofresse, mas parece-me que vai ser inevitável. Ana é uma mulher determinada, sabe o que quer, e vê em Sofia a Mariana que perdeu. Eu entendo-a. Juro que entendo, é horrível perder-se um filho. Mas a Sofia não é filha dela. Nunca devia ter autorizado ela viver com eles. Nunca me vou perdoar por isso.
- Mas tu tinhas as tuas feridas para cuidares, não estavas em condições de ficar com a menina. Eu acho que fizeste o mais acertado. Qualquer outro no teu lugar teria feito o mesmo.
- Sim mas fui um bocado covarde.
- Não considero covardia darmos tempo para lamber as nossas feridas. Vocês homens encontram o vosso rumo diferente de nós. Nós eventualmente no teu lugar, iríamos nos agarrar a essa criança para arranjar forças para superar a dor, os homens reagem diferente, precisam de colocar os sentimentos no lugar.
Ficamos em silêncio. O mar estava calmo, o dia esplendorosamente bonito. Sofia tentava se equilibrar na areia, mas como existia um ligeiro declive ela caía e rebolava, sentava-se depois rindo-se de si mesma, até tentar se erguer outra vez. Nunca imaginaria em momento algum que fosse sentir um amor tão incondicional, tão forte por alguém. Por ela era capaz de tudo. Eu que nunca me tinha visto no papel de Pai, era daqueles papéis na vida que eu julgava que não fossem destinados para mim. Agora tinha a responsabilidade de uma vida nas minhas mãos. E estava assustado, muito assustado. E se não fosse sucedido neste papel? É que eu não tinha ideia do que era ser pai, quer dizer na teoria tinha, mas na prática nem tanto assim. O meu pai tinha sido um pai ausente, em constantes viagens de um lado para o outro, as recordações desses momentos eram sempre acrescidas de mágoa quando ele aparecia, as constantes discussões com a minha mãe. As ofensas dirigidas um ao outro, não havendo entendimento possível entre as partes, até que o inevitável aconteceu, e deu-se a separação já antes tão óbvia. Nunca mais vi meu Pai. Perdeu-se no mundo, cortou os laços com os filhos. Não lhe estava simplesmente no sangue ser Pai ou marido. Esperava que não tivesse herdado nenhum gene que fizesse o meu comportamento ser de alguma forma parecido com o meu progenitor. Uma criança não deveria crescer sem um dos pilares que lhe sustenta a vida, para isso esses pilares têm que ser fortes, têm que poder sustentar o peso de uma vida. E não é tarefa fácil. Felizmente quando um dos meus pilares se quebrou o outro tornou-se suficientemente forte para aguentar com a carga sozinho. E isso sim era de mérito, reconstruir-se uma vida, depois de ilusões deitadas pela janela não tinha sido tarefa fácil. Mas a minha mãe, tal como Marylin referiu encontrou no amor dos filhos a vontade de abraçar a vida novamente, de combater as dificuldades e sair vencedora. E saiu. Gostaria de poder apresentar Marylin á minha mãe. Iria - lhe sugerir isso brevemente. A sua presença na minha vida era de carácter permanente, logo queria dividir com ela a pouca família que me restava. De certeza que se iriam dar bem, minha mãe apenas queria uma coisa, que fossemos felizes. Tinha sofrido imenso com a perda de Mariana, a amizade delas estava a desenvolver-se. Mas ainda sofria mais por me ver sofrer. Mãe e Pai é assim mesmo não é? Sente as nossas dores, partilham da nossa aflição. Voltei a olhar para a minha filhota linda, eu estava agora a aprender a amar, este amor incondicional, em que tudo nos parece perfeito, em cada dia mais ficamos dependentes daquele pequenino ser que toma conta da nossa vida. E eu estava a adorar.

Autoria: Lcarmo (Bela)
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Monday, February 1, 2010

Velhice


"Sentada no sofá mostrava um ar ausente. Á sua volta os familiares falavam entre si, sussurravam para que não se apercebesse da gravidade da situação. Mas ela sabia, ela sentia que algo de muito grave se passava. Suspirou. Suas mãos enrrugadas seguravam a manta que lhe cobria as pernas. Há vários dias que sentia a sua ausência, quer no sofá, quer no leito que dividiam á noite. Perguntou a um dos filhos por ele, obteve uma resposta evasiva, um olhar que se esquivou ao seu. Suspirou. Que mania os mais jovens tinham de tentar proteger os mais velhos da dor. Sabia que mais dia menos dia ia - se ver privada daquela presença constante na sua vida. A doença roubava um bocadinho dele todos os dias. Havia dias em que ele nem a reconhecia. Chamava-lhe de mãe, depois aninhava-se no seu colo, tal qual uma criança que procura do calor materno. Não se importava que ele voltasse a ser menino. Não se importava que ele por vezes não se lembrasse dela. Bastava-lhe aquela presença o seu lado. Seu olhar divagou pela sala, pousando nos retratos de momentos felizes. Sorriu para si mesma. Tinha sido uma vida em pleno não tinha? Tinham trilhado juntos um caminho que sempre os manteve juntos. Os momentos de juventude caracterizados pelo amor incompreendido pela família, que lhe perguntavam o que ela tinha visto nele. E que tinha visto ela nele, para o escolher para dividir a sua vida? Tinha visto o brilho do olhar forte e decidido; as atitudes de coragem em querer lutar contra tudo e contra todos; tinha sentido o seu toque na sua pele, aquele momento especial de entrega, que marcou o inicio de uma vida a dois... não seriam motivos mais que suficientes? Nem tudo tinha sido rosas, a vida tinha sido cruel, dado com uma mão retirado com a outra, oferecendo-lhe em contra partida uma presença por mais de seis décadas. Era muitos dias, muitas horas juntos, muitas histórias para recordar, contar, lamentar e também esquecer. Sabia que o estava a perder. Que agora sim era o final. Ele que sempre havia dito que queria morrer primeiro para não ter que passar pela dor de a perder. O seu desejo tinha sido concedido. A vida estava a esgotar-se para ele. Com a mão ajeitou seu cabelo que se soltou provocando-lhe cócegas no nariz. Brevemente seria a sua vez também. Porque a vida até os podia separar agora, mas com certeza não seria por muito tempo. As forças já escasseavam, a vista essa já lhe pregava partidas, a sua debilidade física ia-se notando dia a dia. Se até aqui a presença dele era um motivo para ainda querer viver um pouco mais, agora com a eminente partida dele nada a prendia cá. Os filhos esses iriam sofrer no inicio, mas a roda da vida era assim mesmo. Teria que partir para dar o seu lugar a outros. Restava a consolação de ter sido uma vida muito bem vivida, que é muito mais do que a maior parte das pessoas alcança. Seria paciente. Afinal não podia ir a lado nenhum. Olhou para a TV, distinguindo apenas ligeiras formas. Sentiu uma presença ao seu lado.
- Sou eu avó - disse a sua neta mais nova
- O teu avô não está nada bem pois não? - perguntou enquanto segurava sua mão na sua.
- Avozinha....
- Não me mintas Marta - olhou para a neta com convicção
- Avozinha, o avô fechou hoje os olhos.
Sentiu um aperto súbito no peito. Durou cerca de alguns segundos, depois respirou fundo resignada. Uma lágrima escorreu - lhe pela face. Sua neta deu - lhe um abraço.
- Lamento avozinha.
- Não lamentes querida. O teu avô teve uma vida feliz, nunca devemos esquecer isso. E olha que poucos chegam á nossa idade juntos, digo-te eu, que já vi muitos antes de nós partirem. Podemo-nos considerar uns felizardos por nos ter sido permitido a companhia um do outro até hoje. Hoje e agora dói. Amanhã doerá menos. É assim que a dor se instala dentro de nós, primeiro impacto é forte, mas depois vai-se desvanecendo no tempo. E eu não viverei muito mais.
Ficaram ambas em silêncio contemplando pontos diferentes da sala. A avó com os pensamentos no seu amado. A neta consciente de que os seus avós tinham sido uns priviligiados. Poucos chegam àquela idade na companhia um do outro. A velhice vai-nos roubando a lucidez, a força física, mas reforça os sentimentos que moram cá dentro. Bela"

Minha contribuição para o desafio deste mês da Fábrica de Letras
Foto retirada do site: corbis.com