Sunday, February 21, 2010

Momento: a duas vozes (parte XIII)


ELE

Já era a segunda vez que tentava ligar à Marylin e ela não atendia. Estranhei, mesmo que por vezes não atendesse, por norma retornava sempre as chamadas. Pousei o telemóvel, enquanto que vestia o casaco. E se lhe fizesse uma surpresa? Podia ir esperá-la ao trabalho, podíamos ir jantar a um restaurante ou então íamos para casa e cozinhávamos alguma coisa em conjunto. O telefone tocou. Sorri. Devia ser ela. Olhei para o visor. Não era a Ana.

- Olá Ana – cumprimentei ao atender.

- Helder tens que vir rápido. A menina sofreu um acidente. Estamos no hospital.

- Hospital? O que aconteceu Ana? – perguntei enquanto agarrava nas chaves do carro e saí a correr da empresa.

- Não é nada de grave, mas é melhor vires até cá.

- Vou já para aí!

Desliguei, as minhas mãos tremeram. Tinha que avisar Marylin. Tentei ligar-lhe novamente. Nada. Não atendia. Atirei o telemóvel para o banco do passageiro. Mais tarde tentaria novamente , agora teria que pensar na minha pequena.

Não sei como cheguei ao hospital tão rápido. Não tenho recordação do percurso. Corri para a recepção, identifiquei-me. Fui logo prontamente encaminhado para o sitio onde estava a a minha menina. Ana quando me viu abraçou-se a mim.

- Ainda bem que vieste! Eu estou tão aflita. Foi num segundo….

- Calma Ana! Onde está a menina? – perguntei enquanto procurava o seu rostinho por entre tantos rostos pequeninos que me olhavam,

- Está a ser vista agora. O Pedro está com ela. Não tive coragem de entrar. Era tanto sangue! – e começou a chorar. Abracei-a. Parecia uma criança grande assim aninhada nos meus braços. Forcei-a sentar-se numa cadeira. Aninhei-me á sua frente.

- Que aconteceu Ana? – perguntei, tentando incentivá-la a contar-me.

- Estávamos as duas a jardinar, ela mesmo ao meu lado. Não sei como, por uma fracção de segundos distraí-me, a menina tropeçou, caiu e bateu com a cabeça . Não consegui ver em que bateu, só sei que era tanto sangue, ela chorava. Entrei em pânico, se não fosse o Pedro estar em casa não sei o que teria sido..

- Shhhhh Ana, sossegue. São coisas que acontecem. Acidentes destes acontecem todos os dias aos miúdos. Tenho a certeza que vai tudo ficar bem. – assegurei, não sei se para a convencer a ela ou para me convencer a mim mesmo. – Espere aqui um bocado, vou falar com a enfermeira.

Dirigi-me á enfermeira. Ela prontamente me indicou uma porta ao fundo do corredor. Disse que poderia entrar, era só bater á porta. Com passos apressados fui até lá. Bati. Tive que esperar alguns minutos até que alguém viesse abrir a porta.

- Sim ? – perguntou uma enfermeira do outro lado.

- Sou o pai dessa jovem que está agora a ser observada. – sorri, senti-me orgulhoso de me identificar como tal.

- Ah é pai desta jovem corajosa que não chora, que só quer ela agarrar nos instrumentos? Então pode entrar – disse ela enquanto me abria a porta.

E ali estava a minha pequena. Sentadinha no colo do médico enquanto a enfermeira lhe fazia o curativo. Sorriu-me. – Papá! Disse enquanto estendia as mãozinhas para mim. Toquei seu rostinho lindo. Cumprimentei Pedro que estava com cara de quem tinha passado por um dos maiores sustos da vida dele. Sofia começou a ficar inquieta. Queria a todo o custo livrar-se dos braços do médico. Começou a chorar. Fiquei um bocado sem saber que fazer. A enfermeira fez –me sinal para sair da sala. Obedeci prontamente. Era melhor deixar os profissionais fazer o seu trabalho. Sentei-me ao lado de Ana. Ela já estava mais calma, embora ainda chorasse. Decidi tentar ligar á Marylin novamente. Procurei nos bolsos do casaco mas não encontrava o telemóvel. Lembrei-me que o havia atirado para o banco do passageiro e lá com certeza teria ficado. Com a pressa de entrar no hospital nem me ocorrera pegar nele. Paciência. Mais tarde lhe ligaria.

Ana colocou uma mão no meu ombro. Dei-lhe a minha. Ficamos assim em silêncio. Apesar das nossas divergências ela era uma boa senhora.

- Deves estar furioso comigo – sussurrou ela.

- Não Ana, não estou. São coisas que acontecem, podia ter sido comigo.

- Mas eu fui negligente e ….

- Ana não foste nada. Foi só um arranhão, um arranhão grande, mas com certeza não vai ser o primeiro da vida dela. E estes são os que deixam menos sequelas. Nunca a poderemos proteger de tudo de mal. Infelizmente a nossa guarda por mais boa que seja nunca a protegerá de todos os males. E a Ana sabe bem disso.

Ela engoliu um soluço. Lembrou-se com certeza de Mariana. Não devia ter dito o que disse.

- Eu não fui justa contigo Helder. Da ultima vez que nos encontramos deixei-me levar pelas emoções. Mostrei um lado meu que nem eu sabia existir. Depois do episódio de hoje tens todo o direito de me retirar a tua filha. E eu vou deixá-la ir. Sem complicações, sem chatices. Estou a envelhecer, a ficar negligente. Este episódio de hoje veio me mostrar que eu não sou sempre a dona da razão. Que ninguém é mais capaz de cuidar de um filho que o próprio pai. Por isso se achares que esse é o caminho, não te impedirei.

- Ana, eu não pretendo chegar e levar a menina de uma vez. Gostava de a ter mais perto de mim. Mas agradeço e aprecio sinceramente todo o cuidado e carinho que a Ana e o Pedro lhe deram. A minha filha jamais se irá afastar dos avós. Apenas quero estar mais próximo dela. Mas eu preciso de ajuda. Eu não sei ser Pai, preciso de alguém que me oriente, que me diga o que fazer. Para isso conto consigo e com o Pedro.

- Mas tens a tua namorada! – disse ela

- Sim tenho, mas ambos somos ignorantes nesta matéria. Não lhe vou mentir, dizer que não englobo a Marylin no meu futuro porque estaria mesmo a mentir descaradamente. A verdade é que eu gosto mesmo muito dela, gostava de formar uma família, eu, ela e Sofia. Mas isso não significa rompimento com vocês de forma nenhuma. Sofia precisa dos avós. E eu quero que a lembrança de Mariana esteja sempre presente. Não quero que a minha filha cresça sem saber quem foi a mãe dela. Mesmo que ela venha a amar a mulher com quem estou, a mãe dela sempre será a Mariana, e pretendo que ela saiba e se orgulhe da mãe maravilhosa que teve, mesmo que tenha sido privada da sua convivência.

Ana recomeçou a soluçar. Abracei-a. Ficamos ali por muitos minutos, tantos que nem sei precisar quantos foram. O caminho para o entendimento estava traçado. Este episódio infeliz acabara por nos colocar do mesmo lado da trincheira, ambos entregando as armas. Olhei para o lado, ali estava a minha menina do colo do avô. Correu para mim, também ela se abraçando á avó. Ali ficamos os três em silêncio, apenas se ouvindo o bater dos nossos corações.

Autoria: Lcarmo (Bela)

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5 comments:

Eva Gonçalves said...

Lindo este relato. Pena que nem sempre as famílias respectivas se entendam... :) Beijinhos e parabéns pelo texto

Poetic Girl said...

Eva: Obrigada! Não sei se reparas-te mas este MOMENTO faz parte de um conto que tenho vindo a escrever. Se quiseres ler desde o inicio clica aí do lado onde tem os vários capitulos já escritos... bjs

Eva Gonçalves said...

Só reparei depois de comentar, por acaso, mas já tinha percebido. Já começei a ler, mas vai demorar um bocadinho, rrss Mas irei ler tudo desde o início. Está muito bem escrito, e já percebi a ideia. Quando tiver tempo vou lendo. Beijinho

Libelinha☆ said...

Cada texto... Cada vez melhor... Estou completamente agarrada á história!...

Beijinhos ;P

Brown Eyes said...

Acontece muitas vezes isto: haver maior ligação depois de uma desgraça. É pena mas...Há pouca gente que entende que a nossa vida não é eterna que devemos resolver os problemas para podermos viver, os dias que nos faltam, felizes.Continua, vai super interessante. Beijinhos