Sunday, December 20, 2009

Momento: a duas vozes (parte VIII)


ELA

Levou me a casa. Despedimo-nos carinhosamente. Se por um lado me sentia caminhar nas nuvens, pelo outro o meu lado racional pensava em Sofia. Sofia alguém que não tinha pedido para nascer, mas cuja vida iniciou com a perda de outra. Não queria nem imaginar no que isso poderia significar no seu futuro. Sentia-me apreensiva, não o querendo pressionar, o meu lado maternal era mais forte. Não conseguia entender como alguém poderia abdicar assim do sangue do seu sangue. Eu sabia que não o ia deixar desistir da menina. Se existisse um futuro para nós, teria que englobar o futuro de Sofia. Nunca poderia viver com alguém que não fosse o forte o suficiente para lutar para reaver a sua filha. Nunca. O beijo, o beijo esse tinha sido mágico, assim como todos os que se seguiram. Mas seria preciso muito mais que beijos para me fazer esquecer a vida de Sofia. Se ele realmente me queria em sua vida, teria que tomar uma atitude em relação a Sofia. Eu compreendia que a sua situação tinha ficado muito delicada com a morte de Mariana, mas agora volvidos um ano após a sua morte, depois da dor inicial se dissipar, ele teria agora condições para cumprir o desejo de Mariana. E eu, eu desejava muito fazer parte desse futuro, ajudá-lo a voltar a ter a filha na sua vida, numa base diária e não apenas limitada a fins de semana de vez em quando, ou sempre que os avós abriam a guarda. Deitei me com esta decisão tomada. Lutaria para aproximar pai e filha, mesmo que isso significasse o meu afastamento. Uma criança não deveria crescer longe dos pais, avós não são pais. E eu melhor que ninguém sabia isso...

No dia seguinte de manhã a primeira coisa que fiz foi ligar lhe:
- Bom dia querida - o meu coração bateu descompassado, o som da sua voz tinha este efeito em mim - Dormis-te bem?
- Sim dormi.. hmm Helder? Queria te fazer um pedido
- Claro diz.
- Quero conhecer a Sofia. - o silêncio do outro lado fez-se notar. Estaria eu a precipitar as coisas? Um simples beijo não me daria certamente direito a me imiscuir na vida dele desta forma
- Não sei se será boa ideia - respondeu ao fim de algum tempo - Os Pais de Mariana não são propriamente as pessoas mais ponderadas, certamente não vão aceitar bem a tua presença na minha vida.
- Mas tu tens direito a refazer a tua vida. Mais dia menos dia isso poderia vir a acontecer. - argumentei eu
- Sim eu sei, mas acho que eles ainda não estão preparados para isso. Eu não posso simplesmente chegar lá, sem ponderar um pouco o que isso significa para eles. São pais, deves entender a dor que sentem.
- Tu também és Pai...
- Não me peças o que eu não posso, nem me sinto capaz de fazer. E a Sofia? Ela não conhece outra realidade para além de mim e dos avós. Não quero perturbar a quietude de minha filha.
- Estás a fugir, desculpa, mas eu quer me parecer que sim. A menina é demasiado pequena para entender o que se passa á sua volta. Para ela os pais são os avós, pois são eles que estão dia a dia com ela. Tu vais lá de vez em quando, não me parece que te tenha como modelo de Pai, ainda não entende isso dessa forma. Quanto mais tempo passar maior será o laço que a liga aos avós. Um dia quando realmente estiveres disposto a reconquistar o teu lugar na vida da tua filha, pode ser tarde demais. Mas eu não quero te forçar a nada. Apenas achei que poderia ajudar - te a aproximares-te de tua filha. Sabes ás vezes precisamos de alguém que nos empurre para as situações. As situações mal resolvidas no passado não podem permanecer lá, têm que ser enfrentadas. - calei me.
- Vamos dar mais um tempo. Prometo que vou pensar no que me disses-te. Acredita que é muito importante poder finalmente dividir isto com alguém. E alguém como tu, que eu faço questão de dividir minha vida. Dá-me tempo. Preciso de tempo para amadurecer a ideia, para me sentir capaz.
- Está bem. Não insisto. Pensa com carinho. Vemo-nos logo?
- Sim. Podíamos jantar, cinema? Algo assim mais descontraído que te parece?
- Parece me muito bem.

Desliguei. Por uns segundos continuei a olhar para o visor do telefone. Encolhi os ombros, fui me preparar para enfrentar mais um dia de trabalho. A empresa atravessava uma fase de reestruturação, tinha que dar o meu melhor para conseguir o tal cargo que estava há espera há algum tempo. O meu chefe gostava muito de mim, o que era um factor a meu favor claro, mas como ele não tomava as decisões sozinho, teria que ter a aprovação também dos seus sócios. Se a reestruturação saísse, seria promovida a editora chefe, ou seja não teria mais que andar na luta de conseguir clientes para patrocinarem a revista, teria a minha própria equipa para dirigir, isso sim era o desafio que estava á espera há muito tempo. Algo me deteve. Um pensamento sombrio atravessou as minhas divagações. E se Sofia realmente entrasse em nossas vidas de forma permanente, estaria eu disposta a abdicar do que tinha conseguido até agora a nível profissional? Via bem o exemplo de quem trabalhava na revista, sem horas para sair, constantes viagens pelo País, como poderia eu apoiar o Helder, se não estivesse tão presente? Afastei os pensamentos. Não iria sofrer antecipadamente. Aliás a promoção poderia nem sair. Sofia podia não vir para perto do seu pai. Uma coisa de cada vez. Não tinha sido por acaso que entrei em sua vida. Sempre acreditei que há destinos que se cruzam por algum motivo, os nossos tinham-se cruzado, agora restava aproveitar ao máximo esse momento. E eu estava disposta a tudo por ele, tudo mesmo, inclusive a desistir de uma carreira antes tão desejada. Porque na vida há muito mais para além do trabalho e da realização pessoas, e essas coisas quando nos acontecem devemos agarrar com todas as forças para não deixar fugir...

Thursday, December 10, 2009

Momento: a duas vozes (parte VII)



ELE

Fomos para minha casa. Precisavamos de um lugar calmo para conversar. Era a primeira vez que a levava lá, estava á espera do momento certo para o fazer, pareceu me sinceramente que esse momento tinha chegado. Era um apartamento modesto, um pequeno T1 que satisfazia plenamente as minhas necessidades de homem solteiro. Não dava muito trabalho, estava bem localizado e a renda era em conta. O ideal para alguém como eu. Senti um frio na barriga, uma certa ansiedade por poder partilhar com ela este local que me era tão querido. Ela observava tudo atentamente. A decoração era bem simples, tipicamente masculina, sem muitos artefactos, nem muito cuidado com as combinações de cores. Cada coisa tinha o seu lugar, não por alguma razão em especial, mas simplesmente porque calhou assim. Para mim o importante era sentir me confortável na minha casa, nunca liguei a essas coisas de decoração.
Ela dirigiu-se para uma mesa onde repousava um retrato. O retrato de Mariana. Olhou - me pronfundamente nos olhos. Tinha chegado o momento das explicações.
- Vais me dizer agora quem é? - perguntou a medo.
Sentei me no sofá, estendi - lhe a mão. Sentou - se ao meu lado:
- Claro que sim. respondi, respirando fundo e comecei meu relato: - Conheci a Mariana quando ambos eramos caloiros na faculdade. Mariana era uma menina doce, alegre, cativou me desde o primeiro momento que a conheci. Mas Mariana era obstinada, era daquelas pessoas que encontras poucas na vida. Sabia o que queria, quando queria e como queria. Deu me luta conquistá-la. Não foi fácil, por várias vezes pensei em desisitir, por vezes parecia que brincava com meus sentimentos. E eu desejava-a tanto! Nunca antes tinha sentido isso por alguém, após muita instistência minha fomo-nos aproximando, passavamos muito tempo juntos e as coisas acabaram por acontecer naturalmente. Foram os melhores anos da minha vida. Não viviamos um sem o outro. A nossa relação era especial, Mariana era tudo o que sempre quis. E eu estava tão certo disso que lhe pedi para casar comigo. Loucura das loucuras. Ambos sem o curso terminado ainda, conscientes de que estariamos a caminhar para um abismo que possivelmente nos iria engolir, mas mesmo assim decidimos arriscar. Não casamos. Ela não quis. Disse que lhe chegava dividir o mesmo tecto comigo, que não era um papel que iria mostrar ou não o que sentiamos um pelo outro. Foi maravilhoso. Foi dificil. Como deves imaginar as familias não gostaram da ideia, deixamos de ter o apoio deles. Tivemos que lutar muito, trabalhavamos e estudavamos. Foram tempos dificieis em que por vezes havia dias que mal nos cruzavamos. Mas estavamos felizes, juntos e nada mais importava. Até ao dia em que Mariana descobriu que estava grávida. - parei a minha narrativa. Olhei no profundo dos seus olhos, tentei ler neles a reacção ao que tinha acabado de contar, estava inexpressiva. Continuei: - No inicio foi o choque. Mal tinhamos meios de nos sustentar, quanto mais poder sustentar uma criança. Ambos choramos, de alegria porque era o símbolo da nossa união, de tristeza com receio do que nos esperava. Mas nunca em momento algum pensamos em não ter essa criança. Essa hipótese nunca nos passou pela cabeça. Foi uma gravidez dificil, Mariana passou sempre muito mal, chegando a ter que estar de repouso os ultimos meses antes do parto. Sinceramente agora que olho para o passado não te consigo dizer como aguentei, ela definhava de dia para dia, eu via a cor da sua pele mudar de tonalidade, eu via os seus olhos encovados. Eu via-a sofrer, a sentir-se agoniada e eu não podia fazer nada. Estive a seu lado dia e noite, humilhei me perante seus pais pedindo clemência, que precisavamos de apoio, o dinheiro escasseava e eu não a podia deixar para ir trabalhar. Estava ao seu lado 24 horas por dia, mal comia para estar sempre atento a qualquer sinal dela. Felizmente seus Pais acabaram por se compadecer da situação, conscientes de que a sua filha estava em sofrimento, que era a hora de fazer as tréguas. Mariana mesmo nos dias piores, que as dores a impossibilitavam de sorrir, era corajosa, Acariciava seu próprio ventre, falava com aquele pequenino ser que crescia dento dela. E eu admirava-a tanto. A minha coragem desvanecia-se dia a dia. A médica dizia me que o parto dela iria ser complicado, que tinham detectado um problema no sangue, que estavam receosos do que poderia suceder. Até ao dia que sucedeu. Mariana foi internada de urgência. Deu entrada no hospital uma noite de madrugada, eu estava ao seu lado. Ela deu me a mão e disse me: "Tomas conta dela por mim? Quero que ambos sejam felizes...". Senti me engasgado, não consegui balbuciar uma palavra, nem sequer um simples "Amo-te". Entrou para a sala de partos e de lá não a via mais sair...
Levantei - me. Não era fácil abrir meu coração desta forma. Não falava de Mariana há algum tempo.
Senti a mão dela em meu ombro.
- E o bebé? - perguntou apreensiva - O bebé faleceu também?
Respirei fundo. Dirigi me á prateleira onde fui buscar um album. Entreguei-lho. Ela abriu-o. Seu olhar percorreu as fotos onde estava retratado um bebé lindo, a minha filha. Estremeci. Tão parecida com a mãe. Tão parecida que sempre que olhava para ela era me impossível não sentir o meu peito desfazer-se por dentro.
- Tão linda! Tem os teus olhos. Como se chama?
- Sofia.
- Sofia. E onde está a Sofia? - seu olhar percorreu a casa á procura de indicios que lhe indicassem a presença de uma criança naquela casa
- Sofia vive em casa dos pais de Mariana. Foram eles que ficaram com ela a seu cargo.
- Mas tu és o Pai! Tens direito!
- Eu não quis. Achei que era melhor ela ser criada num ambiente familiar do que viver com um pai solteirão que não fazia a minima ideia do que era criar uma criança. Marilyn eu não tinha outra alternativa, sem emprego, sem apoios nenhuns como ia conseguir criar a menina sózinho? Custou me muito, chorei dias a fio, quebrei a promessa que fiz à Mariana e isso consome-me por dentro desde então. Tenho tentado ser um pai bem presente na vida da minha filha, mas sinto que de cada vez que vou aquela casa, sinto o olhar de culpa dos pais de Mariana em mim. Eu sou o culpado de ter acontecido o que aconteceu. Se não tenho sido imaturo, esperado o momento certo das coisas acontecerem provavelmente ela hoje ainda estaria aqui. E eu vivo diariamente com essa culpa. E de cada vez que sinto olho para a minha filha, penso que a privei da presença da sua mãe. Que no fundo se eu tenho sido mais homem, não ter precipitado o facto de vivermos juntos, as coisas teriam sucedido de forma diferente.
- Ou talvez não. As coisas acontecem porque têm que acontecer, quando têm que acontecer. Mesmo que tivesses feito tudo de forma diferente, isso não significa que Mariana não viesse a ter complicações na mesma. A vida é mesmo assim. A gente não controla, podemos fingir que sim, que escolhemos os caminhos, alguns até escolhemos, mas outros meu querido estão logo traçados e por muito que nos tentemos desviar não conseguimos.
- Tu estavas no meu caminho. - disse lhe eu
- Sim eu estava no teu caminho, aliás eu estou. - aproximou-se de mim lentamente, senti o toque da sua mão acariciando meu pescoço. Estremeci. Obrigou me a inclinar . O toque dos seus lábios foi um choque eléctrico que percorreu todo o meu corpo. No inicio suave, um leve toque gentil, beijando sem estar beijando, brincava com as minhas defesas. Não aguentei. Puxei-a para mim e beijei-a avidamente.

Thursday, December 3, 2009

Desejo de Natal

"Maria observava sua mãe que ultimava a decoração da árvore de Natal. Do seu lugar no sofá, livro no colo, fingia uma indiferença que talvez não sentisse. Estava zangada com o Natal. Sentia uma revolta interior desde que o seu Pai pela época Natalicia as havia abandonado há um bom par de anos. Tentava a todo custo entender a motivação que sua mãe encontrava de comemorar ainda esta data. Data esta que para ela era significado de tristeza e revolta. Sabia a dor que sua mãe sentia. Uma dor interna, que escondia a todo o custo da sua filha. Mas Maria via o seus olhos desprovidos de brilho, via as suas lágrimas silenciosas, via o seu caminhar pela casa nas noites em que não conseguia dormir. Maria queria ver sua mãe feliz. Levantou-se do sofá, caminhou até á janela. Só uma coisa a voltaria a fazer acreditar na magia do Natal. Seria ver o seu desejo de encontrar uma companhia para a sua mãe realizado.
No prédio em frente vivia um senhor. Todos os dias á mesma hora ele se sentava perto da janela com um livro na mão. Da sua janela Maria não sabia que livro seria, mas sentia-se intrigada. Era um livro grande de capa dura, quase que poderia afirmar com convicção que seria um album de retratos. Sabia que este senhor vivia sózinho. Ninguém nunca lhe tinha conhecido familiares, amigos ou meros conhecidos. Parecia viver em reclusão. Maria sentia-se intrigada por ele. Não seria ele uma boa companhia para sua mãe? Duas almas em sofrimento teriam mais possibilidades de encontrar a felicidade. Olhou para sua mãe, ainda jovem e bonita. Dona de um sorriso encantador. Maria decidiu então naquele momento dar um pequeno toque seu no "destino". Decidiu escrever um bilhete ao vizinho:
"Querido vizinho, ao longo destes ultimos meses tenho reparado no quanto vive isolado na sua solidão. Eu mesma por vezes me sinto assim. Acredito que o sofrimento tem a capacidade de aproximar as pessoas. Vivemos a um passo um do outro, nunca trocamos uma palavra, nunca nos cruzamos no elevador. Não consigo deixar de reparar no seu olhar triste, nas suas mãos que seguram esse livro com tanto carinho. Aceitaria nesta época natalicia, onde devia transbordar o amor e a união entre as pessoas, o convite para um chá na minha humilde casa? sua vizinha do prédio em frente, apartamento 23, simplesmente Maria"
Dobrou cuidadosamente o papel e saiu sorrateira sem a mãe dar por ela. Colocou o bilhete na caixa do correio do vizinho, saindo logo a correr dali não fosse ser apanhada em flagrante.
Esperou, esperou paciente para ver o resultado da sua acção. O vizinho não veio. Sentiu-se intrigada. Como ele recusaria um convite assim? Impaciente vigiava a janela do vizinho. Não demoraria muito que sua mãe começasse a estranhar tal comportamento. Estranhava a sua ausência. Teria se sentido ofendido por se saber observado?
No dia de Natal Maria e a mãe estavam á janela. Esperavam que os poucos doces que ainda se davam o prazer de cozinhar ficassem prontos. De repente apareceu o vizinho na janela, devolvendo o seu olhar. Na mão tinha o seu bilhete. Maria sentiu o seu olhar de curiosidade. Acenou-lhe. Ele acenou de volta. Maria sorriu feliz. Sua mãe ignorava o que se passava á sua volta, nem tão pouco de apercebeu do vizinho que da janela em frente a observava. De repente ele desapareceu da vista.
Minutos depois a campaínha tocou. "Quem será, logo neste dia?" perguntou sua mãe enquanto se dirigia para a porta. Do outro lado da porta encontrava-se o vizinho. Maria sorriu. Era muito mais bem apresentado do que ela via da sua janela. Sorriso franco, ligeiramente timido até.
"Vim aceitar o convite"
- "Convite? Mas que convite?" perguntou a sua mãe
Ele estendeu lhe o bilhete. Minha mãe leu-o. Calmamente, depois suas mãos começaram a tremer.
"- Não é possível," - balcuciou
- "Não é seu o bilhete?" perguntou ele, sua voz já denotando uma grande desilusão
- "Não, não é meu. Mas eu reconheço a letra. É da minha filha.
"Ah assim já estou mais descansado" disse ele "Mas estaria sua filha a brincar comigo?"
- "Isso é impossível, pois minha filha faleceu no inicio deste ano"
Olharam-se ambos prolongadamente. Maria assistia do lado, impaciente pelo desenrolar dos acontecimentos. Iria sua mãe fechar-lhe a porta? Tentou enviar lhe pensamentos positivos, dar lhe confiança para abrir seu coração.
Sua mãe sorriu. "Bem se a minha filha lhe fez um convite seria muito má educação da minha parte não cumprir a sua vontade." - dizendo isto abriu a porta deixando o vizinho entrar.
Sentaram-se ambos a conversar por horas a fio. Maria sentia-se feliz. Seu desejo de Natal tinha-se realizado. "

Minha contribuição para o desafio deste mês da Fábrica de Letras
Foto retirada do site: corbis.com

Monday, November 30, 2009

Momento: a duas vozes (parte VI)

ELA

O telefone voltou mais uma vez a vibrar. Olhei para a minha colega, ela olhando me de volta com olhar interrogador.
- Vais continuar a ignorá-lo? - perguntou - me
Peguei no telefone. Acedi ao menu das mensagens e li: "JÁ É A QUARTA MENSAGEM QUE TE ENVIO HOJE, CONTINUAS SEM ME RESPONDER. ENTÃO RESOLVI AGIR. ESTOU Á TUA ESPERA NO ESTACIONAMENTO. ACHO BEM QUE TE DESPACHES A DESCER, ESTÁ A CHOVER MUITO E EU NÃO QUERO FICAR ENGRIPADO".
- Ele está aqui - baluciei eu para ela
- Aqui? aqui onde? - perguntou levantando-se da secretária e chegando á janela
- No estacionamento. Penso que perto do meu carro.
Olhamos ambas pela janela. Tinha estacionado mesmo no ângulo de visão da janela. Sim ele estava lá á minha espera. Encostado ao meu carro. E sim chovia bastante.
- Que faço? - perguntei
- Que pergunta, vais ver o que ele quer. Ou vais deixá-lo ali á chuva?
- Mas eu não posso sair agora, vai me ligar o cliente do Contrato de Londres e eu tenho que falar com ele hoje sem falta. O chefe quer agendar a reunião para a semana que vem e tem que se ultimar os pormenores.
- Vai Marylin, eu resolvo-te isso. Faz um favor a ti mesma e resolve este assunto de uma vez por todas. Já deu para ver que ele não vai desistir, a menos que queiras ficar com a consciência pesada caso ele realmente fique doente. Vai.
Agarrei nas minhas coisas, saindo a correr. Na saída quase me esbarrei com o chefe que vinha a entrar.
- Marylin, preciso que.... - começou ele
- Agora não chefe, a Rute trata de tudo. Eu tenho que sair.
Desci as escadas a correr, sem voltar a olhar para trás. Não vi o seu olhar de incredulidade, nem tão pouco o seu encolher de ombros. Não me recordo como cheguei á beira dele tão depressa. Estava ofegante, afinal ainda eram alguns andares e eu com a pressa até me esqueci de descer pelo elevador. Custava me respirar, tive que esperar alguns segundos para me recompor.
- Que queres?
- Quero falar contigo. Vim ver-te. - respondeu sorrindo me
- Não podias esperar pelo fim do dia? - perguntei, enquanto abria o guarda - chuva para nos abrigar aos dois. Se ele não queria ficar doente, eu certamente que também não queria.
- Aonde vamos temos que ir cedo. Fecha ás 17.
- Vamos? ah não vamos não. Eu tenho que voltar para o meu trabalho. Ainda não são horas de eu sair.
- Hoje não voltas ao trabalho. - disse me enquanto estendia a mão para eu lhe dar a chave do carro
- Helder, só podes estar a brincar comigo. Eu não vou de forma nenhuma sair do trabalho a meio da tarde, para dar uma volta de carro contigo. Mas é que nem penses.
- Nem se eu pedir por favor? - olhou me de tal forma intensamente que o meu coração disparou - É muito importante para mim.
Olhei para ele, desviei o olhar para a minha janela. Rute olhava-nos curiosa. Interroguei-a com o olhar. Conheciamo-nos há algum tempo, entre nós bastava apenas um olhar. Aquiesceu que sim. Que me substituiria.
Entreguei lhe as chaves do carro, dei a volta, sentando me no lugar do passageiro.
O silêncio instalou-se. Olhei para ele de soslaio. Tentei vislumbrar algum sinal de vitória, por eu ter acedido. Seu rosto estava indecifrável. Um estranho frio no fundo da barriga se instalou. Como eu destestava sentir esse friozinho. Nunca era sinal de algo bom. Olhei pela janela, cada vez chovia mais. Nem o tempo ajudava. O trânsito estava caótico. Com destreza e pericia, conduziu o carro pelo meio da confusão, sempre certo do caminho que tomava. Depressa chegamos ao destino. Olhei ao meu redor, reconheci onde estavamos. Olhei para ele com ar interrogador.
- Não me faças perguntas para já. Promete me que não me irás perguntar nada, até eu disser que chegou a altura de tu fazeres as perguntas todas a que tens direito. Prometes?
- Sim - balbuciei, não muito certa de mim mesma.
Saimos ambos do carro. O meu olhar parou numa placa que dizia: "CEMITÉRIO MUNICIPAL". Estremeci. Não era um lugar em que me sentisse confortável. Ao entrarmos, procurou a minha mão. Entramos de mãos dadas naquele recinto que simboliza a morada eterna dos nossos corpos, quando as nossas almas se vão. Caminhamos por entre as várias secções, ele sempre seguro do local para onde se dirigia. Olhei em minha volta. As fotografias de toda aquela gente, os nomes, as datas, a minha visão absorvia tudo á minha passagem. Desde muito pequena, sempre que visitava o cemitério com a minha mãe, tinha por hábito ler o nome das pessoas falecidas e imaginar que tipo de pessoa tinham sido, como teria sido a sua vida, de que teriam morrido. Cemitérios não eram de forma alguma tabu para mim, infelizmente já tinha pisado esse mesmo terreno vezes sem conta. Aproximamo-nos de um lugar que me pareceu ser o nosso destino, pois o seu passo tornou-se menos acelerado. Paramos numa campa sobriamente decorada. Nada de exageros, aliás primava pela ausência de demasiados artefactos, ou flores excêntricas. Estava decorada com uns lindos lirios brancos que contrastavam com o negro da mármore. O meu olhar pousou nele. Ele olhava para a fotografia esculpida na mármore. Desviei meu olhar, seguindo o dele. Foi então que li:

MARIANA MONTEIRO - N.A. 2-9-1978 F.A. 23-06-2008

Olhei para ele novamente. De repente tomei consciência que a pessoa que se encontrava ao meu lado tinha um passado do qual eu não estaria totalmente a par. Pelo sobrenome não me foi impossível chegar á conclusão de quem se tratava. Só poderia ser sua irmã. Olhei para a fotografia. Um rosto sorridente, feliz, nos recebia. Linda. Simplesmente linda. Esmiucei a fotografia em busca de sinais semelhantes aos dele. Havia semelhanças, pelo menos eu via semelhanças.
- Quem é? - perguntei
Ele olhou-me. Uma lágrima escorreu por seu rosto. Meu primeiro impulso foi de beijar aquela lágrima. Não o fiz. Não ali, naquele lugar. Olhou me nos olhos, puxou me de encontro ao seu peito e sussurou me:
- Pedi-te que não me fizesses perguntas. Aqui não.
Ajoelhou-se, seu olhar ficando ao nível da fotografia, tapou o rosto com as mãos e gritou. Estremeci, nunca tinha sentido de perto o desespero de alguém. Senti me impotente, senti me a invadir sua privacidade. Ajoelhei me ao seu lado e também eu chorei.

Tuesday, November 24, 2009

Momento: a duas vozes (parte V)

ELE

"Sua voz soou me estranha ao telefone, talvez até de certa forma evasiva. Senti me apreensivo, o meu coração bateu mais forte. Voltei a pegar no telefone com intenção de lhe voltar a ligar. Cancelei mesmo antes de estabelecer a ligação. Olhei pela janela, estava um rigoroso dia de inverno, chovia lá fora, tal como chovia dentro da minha alma. Tinha que tomar uma atitude, tinha perfeita consciência disso. Mas qual? Ao nível de envolvimento emocional a que tinhamos chegado não me parecia que houvesse muitas alternativas para nós. Só via dois caminhos, ou bem que arriscava ou bem que não. Recordei a noite de ontem, o momento em que a acompanhei a casa, Recordo me do quanto me foi custoso o afastamento físico dela. Imaginei o que seria sentir seus lábios nos meus, sentir o seu corpo colado ao meu, como se fossemos um só. Senti que ela esperava esse passo de mim, seus olhos imploravam por uma resposta, denotavam uma interrogação bem latente. Porque não? Porque não? pergunto me eu. Eu sei bem porquê. Não estaria esse porquê na base de tudo o resto? Não seria esse porquê a razão de eu não me dever envolver mais? Então pergunto me para que avanças-te até aqui? Não tenho resposta, foi algo superior a mim, superior ás minhas forças, superior a mesmo tudo. A questão é que eu não me queria afastar, não queria ter que desistir deste amor que crescia a olhos vistos. Sentia a cada momento o grau de envolvência por parte dela, senti as suas defesas aos poucos cairem por terra, sentia na minha pele a desilusão do seu olhar de cada vez que nos despediamos com um beijo singelo na face, quando ambos ardiamos de vontade de tornar o momento mais eterno. Sabia que estava a arriscar deixá-la fugir por entre os meus dedos. Lembro me da dor alucinante que tive quando se reencontrou com o seu ex namorado numa das nossas saídas. Fiquei possesso de ciumes. Cobrei lhe algo que não tinha direito de cobrar. Ela respondeu me, justificou-se. Não o deveria ter feito, quem era eu para lhe cobrar algo quando não assumia nada em concreto. Perguntou me o porquê do meu comportamento, que me tentava entender, mas não conseguia. Perguntou me directamente que sentia por ela. Respondi: Amor. "Estranha forma de amares tu tens" foi a resposta que obtive, Vislumbrei a lágrima que escorreu por seu rosto mas não fui capaz de a enxugar. Acusou me de me aproveitar dos seus sentimentos, de brincar com ela, como se fosse uma marioneta. Doeu-me. Suas palavras foram duras, azedas, palavras que não esperava que ela me dissesse. Mas sei que as mereci. Merecia cada uma delas. E aqui estou eu, neste ambiente que me é tão familiar, mas que está ausente da sua presença. Sei que estou na encruzilhada que a custo tentei evitar. Se uma parte de mim anseia por sair por aquela porta, tomar a atitude que todo o meu ser anseia, a outra mais racional, diz me que não devo pensar apenas em mim. Não está em jogo apenas os meus sentimentos, os sentimentos dela, mas os sentimentos de mais alguém que não pediu para ser envolvido nesta história. Primeiro devo ter consciência que qualquer que fosse a minha decisão, haveria sempre alguém magoado. Era inevitável. Suspirei. Era tarde, devia me deitar, Olhei para os retratos que pousavam serenos no armário da sala. Retratos de momentos outrora felizes que nunca mais voltariam. Toquei ao de leve um rosto deveras familiar, poderia ainda doer tanto? "

Saturday, November 21, 2009

Onde estás?

Esta foi a minha contribuição para o desafio que o Blog Shiuuuu lançou esta semana:

"Onde estás? Tenho te procurado em cada esquina, tento descobrir-te em cada olhar, em cada sorriso. Onde estarás tu? Teus olhos são ternos de um negro profundo, negro esse que gostaria de me perder. Teu sorriso é rasgado, sempre acolhedor, deixar-me-ía envolver por ele . Teu porte alto, atraente, a tua pele de um moreno irresistível, caminhas pela vida seguro de ti, consciente da tua própria masculinidade. Impossível ficar-se indiferente a ti, à memória de ti. Passas a mão pelo cabelo preto ligeiramente ondulado. Pudesse eu esticar minha mão, pudesse eu entrelaçar meus dedos em teu cabelo. Tuas mãos são bem definidas, mãos essas por ventura calejadas pela vida. Com certeza minha mão se perderia na imensidão da tua. A tua voz melodiosa, embalaria meus sentidos, todo o teu ser transmite confiança, segurança. Tudo em ti, tudo sobre ti me envolve. Estarás porventura procurando o mesmo que eu?" Bela




O link para a postagem é : http://shiuuuu.blogspot.com/2009/09/onde-estas-02.html

Asa partida

"imagina que sou um passarinho com a asa partida. Pegarme-ias com todo o carinho, cuidarias de mim até que a minha asa sarasse? mesmo que levasse muito tempo, terias paciência para cuidar da minha ferida? Há feridas que levam o seu tempo a sarar, há feridas que nunca saram. As que nunca saram são as que não foram cuidadas, as que não foram "limpas" do mal que tinham. Essas são as mais dificieis de recuperar, mas não são impossíveis. Cuidas então de mim? Prometo ficar quieta, prometo não me queixar, quero apenas sentir minha ferida se fechar. terás que ser paciente, a ferida já cá está há algum tempo, nunca sarou. Apenas alguém delicado, paciente, carinhoso, terá a sabedoria de saber qual a melhor forma de a tratar. Eu não sei. Já tentei que a ferida se fechasse, já tentei criar laços que se romperam ainda mais bruscamente. Laços que rasgaram, abriram, fizeram sangrar esta minha ferida. Peço-te cuida da minha asa, cuida de mim e fica comigo enquanto a ferida não sara . "Bela

Preto e Branco

"Nesta folha branca, em traços negros abro a minha essência para ti. Gostaria de nesta folha conseguir exprimir tudo o que se passa dentro de mim. As emoções que tenho vivido desde que te conheci. Gostaria de de escrever a emoção que me assola quando me tomas em teus braços, quando sussuras meu nome. Invade me uma felicidade extrema, uma sensação de flutuar por entre as nuvens, o vizualizar do sol num dia de chuva. Iluminas os meus dias com a tua presença, a simples lembrança de ti me faz sorrir. Entregaste me esta folha completamente em branco, pediste me que escrevesse, que te fizesse apaixonar pelas minhas palavras. Quiseste ser embalado minha escrita. Pediste me para usar uma caneta negra, que simbolizasse a cor do teu coração antes de me conheceres. Eu sou a folha branca na tua vida, onde dia a dia escrevemos a nossa história. A nossa história que a cada letra, a cada palavra, a cada parágrafo acrescenta sempre algo mais. A nossa essência é composta de momentos, de palavras trocadas, de juras de amor eterno. Ambos sabemos o significado da palavra eterno, nada é eterno, nosso amor não o será certamente, será porventura eterno para nós enquanto existirem folhas em branco e tinta negra para juntos podermos continuar a escrever o nosso amor."Bela


Minha participação no blog: http://fabricadeletrasepalavras.blogspot.com/

Momento: a duas vozes (Parte IV)

ELA

"Aquela foi a primeira de muitas noites. A sua presença tornou-se um hábito na minha vida. Todos os dias conseguia me surpreender de qualquer forma, ora era uma mensagem, ora era um telefonema inesperado. Enchia me de atenções e tenho que admitir que eu me sentia lisonjeada. O meu coração batia mais forte de cada vez que o via, era uma sucessão de "borboletas na barriga" sem fim, chegando até a ser incomodo enquanto o meu coração não se acalmasse. Sentia me uma adoslecente na sua presença. Sentia me outra pessoa que não era eu. Por vezes ao olhar me no espelho não reconhecia os olhos brilhantes, o sorriso rasgado. Estaria eu irremediavalmente apaixonada? Só esse pensamento me causava um certo desconforto pois sentia me insegura em relação ao sentimentos dele. Se por um lado era o mais estremoso possível, por vezes, sentia-o distante, evasivo, como se entre nós existisse um muro que ainda não tinha sido totalmente destruído. Nunca em momento algum me tocou, ou mostrou intenções de fazer. Aliás eu sentia o seu afastamento físico a cada dia que passava. Se no inicio ainda me tocava na mão, brincava com meu cabelo, me dava abraços espontâneos, aos poucos e poucos isso foi desaparecendo. Estas atitudes faziam me sentir insegura, como se estivesse a tentar me equilibrar numa corda, ora inclinando para cá, ora inclinando para lá. As suas mudanças de humor faziam-me recear por vezes até onde esta situação iria. Estaria eu, iludida, vendo o que não estaria ali para ver? Mas então qual a razão de tanta atenção, tantos mimos, que faziam o meu coração disparar, faziam me sentir coisas que pensei não mais sentir? Em todos os seus gestos tentava ler nas entrelinhas. Teria eu a coragem suficiente de dar o primeiro passo? E o medo da rejeição, que faria eu caso ele me rejeitasse? Nunca soube lidar muito bem com nenhuma forma de rejeição.
Por vezes estavamos demasiados próximos fisicamente, tão próximos que facilmente meus lábios encontrariam os dele. Numa sala de cinema, quando me dava a mão, tecia caricias, entrelaçando os seus dedos nos meus. Quando saíamos para jantar, fazia questão de colocar um braço sempre por cima do meu ombro. Nas nossas saídas para dançar, sentia a sua presença física de tal forma que chegava a doer. Um gesto mais sensual, um toque mais fora do lugar e eu ansiava por aquele momento mágico que tardava em chegar. Quanto mais tempo teria eu que aguardar, para meus lábios poderem finalmente encontrar o caminho para os dele, podendo assim saborear aquele momento em pleno? Quanto tempo mais?"

Momento: a duas vozes (Parte III)

ELE

Procurei-a. Percorri cada centímetro daquele local apinhado de gente e não a encontrei. Senti me desolado. Esperava que tivesse apenas se ausentado, que voltasse. De cada vez que alguém entrava, eu olhava, tentando adivinhar a sua figura nos corpos das outras mulheres, tentando vislumbrar o seu sorriso, o seu cabelo. Desisti. Não me restava mais nada a não ser ir me embora. Tentar me convencer a mim mesmo que não, que não tinha imaginado, que ela realmente existia. Pensaria numa forma de a encontrar novamente. Nem que tivesse que voltar, noite após noite, até nos encontrar-mos novamente. Despedi me dos meus acompanhantes. O segurança não se encontrava á porta, estranhei o facto, mas saí despendindo me da menina da recepção. Estava escuro, senti frio. Um arrepio percorreu a minha espinha, aconcheguei mais o casaco. Tomei nota que da próxima vez traria uma roupa mais quente, andar em camisa em pleno inverno e numa noite fria como aquela não era mesmo muito inteligente. Reinava a confusão na rua. Um amontoado de gente rodeava dois carros atravessados na via. Continuei meu caminho. Provavelmente um pequeno acidente, algum toque que alguém terá dado ao executar a manobra. Vislumbrei o segurança, gesticulava e falava com quem estava ao seu lado. Um rapaz magricelas segurava a cabeça entre as mãos, parecendo ligeiramente assustado. Impressionou me a imagem. Teria sido realmente mais grave do que eu imaginava? Tentei visualizar o que se passava sem atravessar. Dois carros, um deles enfaixara-se completamente no outro, Aproximei me, a minha necessidade de ajudar me impulsionou a isso.
- Então que se passou aqui? - perguntei ainda não conseguindo estar muito próximo
- Um acidente, este carro estava a fazer a manobra para sair do estacionamento quando foi atingido pelo outro que veio desgovernado em sua direcção.
- Há feridos? - perguntei
- Sim há, aquela miúda ali. Já chamamos uma ambulância devem estar a chegar.
Olhei para onde ele apontou. O meu olhar ficou congelado num rosto familiar. Senti o pânico me invadir. Ela ali estava, sentada na beira do passeio, seu rosto transtornado. As lágrimas escorriam lhe pelas faces. Corri para o seu lado. Tomei-a em meus braços, não sabendo muito bem se seria a atitude correcta.
- Estás bem? perguntei ofegante
- Sim estou - respondeu me por entre lágrimas. - Acho que tenho o braço partido. Dói me imenso.
Apertei-a mais contra mim. Estava gelada. Despi meu casaco e aconcheguei-o nos seus ombros.
- A ambulância vem aí... vais ter a assistência que necessitas.
A ambulância chegou finalmente. Foi prestada a assistência aos dois condutores. O rapaz estava mais assustado que magoado. Não tinha ferimentos visiveis, mas mesmo assim foi visto por alguém. Ela tinha mesmo o braço partido, teria que ir para o hospital para receber os cuidados necessários.
- Quer que alguém a acompanhe na ambulância? - perguntaram-lhe
Olhou para mim. Hesitou por uns breves momentos, depois perguntou-me:
- Vens comigo? Sentirei me melhor se tiver alguém conhecido. Detesto hospitais.
Abri a boca para falar, mas nenhum som saiu. Ela olhava me interrogando me com o olhar. Por segundos foi como se o tempo tivesse parado. Acordei da minha letargia quando ela interpretou o meu silêncio como um não e se dirigiu para a ambulância.
- Espera! - gritei, chamando a atenção para mim - Claro que vou contigo.
Ajudei-a a entrar para a ambulância. Sentamo-nos lado a lado. A porta fechou-se. Ficamos sozinhos.
Nenhum de nós falou. As palavras estavam-me presas na garganta. Tanta coisa a dizer, um misto de emoções á flôr da pele, eu só conseguia olhar para aqueles olhos côr de amêndoa e me perder. Inconsciente dei lhe a mão. Ela apertou a minha mão com força. Sentia-a acariciar a palma da minha mão, correntes de energia atravessaram todo o meu corpo. Estremeci e não era de frio.
- Não sei o teu nome. - disse me ela olhando directamente nos meus olhos
- Helder - respondi - Não sei o teu também.
- Marylin - respondeu me
O silêncio instalou-se novamente. Não era um silêncio constrangedor de forma nenhuma, era um silêncio de cumplicidade, de duas almas que estavam em sintonia. Fechei os meus olhos por segundos, respirei profundamente, apertei mais sua mão para me convencer que não passava de um sonho. E não era um sonho, era real bem real e sorri. Porque quando certos caminhos de cruzam, nem a vida os pode descruzar.

Momento: a duas vozes (Parte II)

ELA

"Fugi. Covardemente fugi. Tenho este dom sempre que a vida me sorri eu fujo na direcção oposta. Não o faço prepositadamente, é algo de certa forma inconsciente que toma conta de mim, quando me apercebo já estou a fugir para o mais longe possível. O pior é que agora me sinto mal. Ele foi querido. Há muito tempo um homem não me tratava com tanta delicadeza. Adorei sentir seus braços, adorei sentir o calor do seu corpo junto ao meu, o seu perfume me envolvendo. Agarrei nas minhas coisas e fugi. Mal me despedi das minhas acompanhantes que ficaram a olhar para mim surpresas. Eu não podia ficar, não podia. Era mais forte do que eu. Senti o ar fresco da noite. Respirei fundo, senti-me melhor. Sentei me nas escadas exteriores que davam acesso á discoteca. "Sente-se bem menina?" perguntou me o segurança. Sim estou bem, não estou? Fisicamente estava, psicologicamente nem por isso. Meu coração batia descompassado, minhas mãos tremiam. Suores frios, seguidos de uma sensação de calor inebriante me invadiam. Fiquei ali por momentos, momentos que me pareceram horas. As pessoas que passavam por mim olhavam me de soslaio. Possivelmente pensavam que estaria a me recompôr do abuso da bebida. Levantei me. Decidi me a voltar. Subi novamente as escadas que me levariam novamente para junto dele. Parei. O segurança vendo a minha hesitação perguntou me "Quer entrar novamente?". "Quero, hmmm, quer dizer, não sei.... talvez seja melhor não. Não quero." Virei lhe costas. Dirigi me a passo apressado para o carro. Senti-o vir atrás de mim, precoupado, com o semblante carregado "Quer que chame alguém? Não me parece estar em condições de conduzir". "Não obrigada" respondi "eu só vou descansar um bocado no carro, obrigada pela preocupação". Entrei no carro. Escondi meu rosto nas mãos e chorei. Chorei por mim, chorei por ele, chorei pelas minhas mágoas que me impossibilitavam de ser novamente feliz. Desejei poder controlar estes sentimentos que se apoderavam de mim e que me faziam afastar as pessoas de mim. Desejei ser mais forte, desejei naqueles momentos tanta coisa que me sentia sufocar dentro de mim mesma. Pensei nele, no seu sorriso, a sua expressão de desânimo quando me afastei dele. Covardemente fugi. E agora não havia volta atrás. E se nunca mais o visse? E se tivesse desperdiçado uma opurtunidade única? Nem sempre a vida nos presenteia com encontros como este. Tinha sido uma noite mágica. Sem dúvida marcada pelo seu aparecimento, pelo seu convite para dançar. Obviamente que senti uma empatia, então porquê fugir? Porquê? Liguei o carro, tinha que sair dali, para bem longe dali... ansiava pelo sossego do meu quarto, ansiava por me enroscar na minha cama, ansiava por acalmar estes fantasmas dentro de mim, que invadiam todo o meu ser, toda a minha mente. Ansiava, Soluçei.... fechei os olhos por segundos e não vi o carro que veio em minha direcção."

autoria: Lcarmo

Momento: a duas vozes (Parte I)

ELE

"Sábado á noite e eu sem vontade de sair. Um misto de sentimentos se apodera de mim, se por um lado não quero ficar em casa, pois receio a solidão mais que tudo, não me sinto minimamente motivado para sair com os amigos. Após alguma insistência da parte deles, acedi em ir, não sem antes os avisar que não seria uma saída com regresso muito tardio, que precisava descansar. "Estás a ficar velho!" disseram - me, sim talvez esteja mesmo a sentir o peso da idade. Fomos ao café do costume, encontrar as pessoas do costume. Sentei me a um canto, sem vontade de participar nas conversas, meu olhar sempre percorrendo a porta á espera nem eu sei muito bem de quê. Estava tão embrenhado nos meus próprios pensamentos que nem me apercebi que estavam a combinar uma saída para dançar. Recusei. "Eu não vou! Vou para casa!" mal pronunciei estas palavras, começou a cobrança do costume, o ter que dizer porque não me apetecia minimamente ir dançar. Acabei por concordar em ir, teimando em levar meu carro pois não queria ficar dependente de ninguém na hora de voltar. Não pretendia ficar muito tempo, o suficiente para não ter que ouvir as "bocas" deles.

Chegamos ao local, como todos os sábados, completamente cheio. Procuramos um lugar para nos sentarmos. Sentia me impaciente. Decidi ir ao bar buscar algo para beber. Enquanto esperava para ser atendido, percorri com o olhar a pista de dança, onde casais dançavam ao som das músicas latinas. Observei as expressões, os gestos, incrível como a paixão pela dança une as pessoas. Meu olhar então pousou nuns lindos olhos castanhos que me olhavam de volta. Olhei para o lado, não estaria com certeza a olhar para mim, mas não estava mais ninguém a olhar para a pista. Fiquei preso naquele olhar. Ela dançava, kisomba penso eu na altura, ou seria bachata? Não me lembro, só me lembro do seu olhar, da forma como dava gargalhadas quando o seu interlocutor lhe suspirava palavras ao ouvido. Era bonita, era linda. Mas o que me cativou foi aquele olhar profundo e o sorriso rasgado. Senti me incomodado, senti me diferente. Voltei ao meu lugar, sentindo que algo acabara de mudar em mim. Pensamento estranho esse, nem a conhecia, o fulano com quem dançava seria provavelmente o namorado. Em que estaria eu a pensar?
Meu olhar procurou-a novamente na pista. Não a vi. Um sentimento de desilusão se apoderou de mim. Levantei me. Sentei me. Olhei novamente em volta... teria sido imaginação minha? Continuava escrutinando o cenário, tentando descobrir sinais de um rosto que agora me era familiar. Não a vi. Vi sim seu companheiro abraçado a uma outra rapariga, suspirei aliviado quando trocou caricias com a mesma. Então não eram namorados. Fiquei contente. Mas onde estaria ela?
Levantei me, nervoso, ansioso. Voltei a observar atentamente os rostos á procura daquele que me seria agora tão familiar. Meus olhos voltaram a encontrar os dela. Sorri. Ela sorriu de volta, um sorriso lindo que iluminava toda a sua tez. Enchi me de coragem. Atravessei a sala, hesitante, a medo, possivelmente iria levar com um "não" , mas tinha que tentar. Tinha que ouvir a sua voz. Cheguei ao seu lado, ela ainda sorriu mais. "Olá" disse me timidamente. "Olá" respondi eu. Sentia me nervoso, como se fosse um adolescente, o meu coração batendo mais forte. "Queres dançar?" perguntei lhe. "Sim quero!" respondeu me. Peguei lhe pela mão. Conduzi-a á pista de dança. Esperamos que terminasse a música que estava a tocar e outra começasse. Bachata. Nunca fui muito fã de bachata. Mas ela disse me: "Bachata. A minha dança preferida!" sorri não lhe disse que não gostava. Desde que ela gostasse dançaria tudo o que ela pedisse. Dançamos. Senti seu perfume, senti seu corpo próximo do meu. Ela sorria, de perto seu sorriso ainda era mais bonito, mais perfeito. Para mim foi um momento mágico, foram os melhores minutos da noite. A dança terminou e a muito custo a larguei. MInha mão ainda segurando a sua.... "Dás me o teu número de telefone?" perguntei espantado com o meu próprio atravimento. "Para que queres meu número?" perguntou ela. "Para voltar a dançar contigo." respondi. Ela deu uma gargalhada, para minha surpresa deu me um beijo na cara. "Tudo a seu tempo, se me quiseres ver novamente, saberás o que fazer". Dito isto largou minha mão e desapareceu no meio da multidão.

autoria: lcarmo

Thursday, November 19, 2009

Inauguração

"Este espaço foi criado com a intenção de reunir os "meus contos". Gosto de escrever, gosto de brincar com palavras. Inventar personagens, ouvir diálogos dentro de mim. E sinto a necessidade de os dividir com alguém. De que adiantaria eu escrever, se só escrevesse para mim? Sempre que alguém escreve um texto, um poema, uma frase, uma citação, só faz sentido se puder dividir essa magia com alguém. Eu quero dividir minha magia, minha essência com os meus leitores. Espero que por aqui encontrem um mundo de sonhos, de lágrimas e de alegrias. Pois é dessa mesma matéria que eu sou feita. Espero que me visitem. Espero que me critiquem, sugiram melhorias. Pois se não puder aprender com os meus leitores, com que vem vou aprender? Bela"


Este blog tem uma especial menção honrosa para a minha querida "Brown Eyes" como agradecimento ao incentivo e ás palavras sempre certas, no momento certo. Obrigada! Já consquistas-te um lugar aqui dentro. Espero ver-te por aqui...