Sunday, December 20, 2009

Momento: a duas vozes (parte VIII)


ELA

Levou me a casa. Despedimo-nos carinhosamente. Se por um lado me sentia caminhar nas nuvens, pelo outro o meu lado racional pensava em Sofia. Sofia alguém que não tinha pedido para nascer, mas cuja vida iniciou com a perda de outra. Não queria nem imaginar no que isso poderia significar no seu futuro. Sentia-me apreensiva, não o querendo pressionar, o meu lado maternal era mais forte. Não conseguia entender como alguém poderia abdicar assim do sangue do seu sangue. Eu sabia que não o ia deixar desistir da menina. Se existisse um futuro para nós, teria que englobar o futuro de Sofia. Nunca poderia viver com alguém que não fosse o forte o suficiente para lutar para reaver a sua filha. Nunca. O beijo, o beijo esse tinha sido mágico, assim como todos os que se seguiram. Mas seria preciso muito mais que beijos para me fazer esquecer a vida de Sofia. Se ele realmente me queria em sua vida, teria que tomar uma atitude em relação a Sofia. Eu compreendia que a sua situação tinha ficado muito delicada com a morte de Mariana, mas agora volvidos um ano após a sua morte, depois da dor inicial se dissipar, ele teria agora condições para cumprir o desejo de Mariana. E eu, eu desejava muito fazer parte desse futuro, ajudá-lo a voltar a ter a filha na sua vida, numa base diária e não apenas limitada a fins de semana de vez em quando, ou sempre que os avós abriam a guarda. Deitei me com esta decisão tomada. Lutaria para aproximar pai e filha, mesmo que isso significasse o meu afastamento. Uma criança não deveria crescer longe dos pais, avós não são pais. E eu melhor que ninguém sabia isso...

No dia seguinte de manhã a primeira coisa que fiz foi ligar lhe:
- Bom dia querida - o meu coração bateu descompassado, o som da sua voz tinha este efeito em mim - Dormis-te bem?
- Sim dormi.. hmm Helder? Queria te fazer um pedido
- Claro diz.
- Quero conhecer a Sofia. - o silêncio do outro lado fez-se notar. Estaria eu a precipitar as coisas? Um simples beijo não me daria certamente direito a me imiscuir na vida dele desta forma
- Não sei se será boa ideia - respondeu ao fim de algum tempo - Os Pais de Mariana não são propriamente as pessoas mais ponderadas, certamente não vão aceitar bem a tua presença na minha vida.
- Mas tu tens direito a refazer a tua vida. Mais dia menos dia isso poderia vir a acontecer. - argumentei eu
- Sim eu sei, mas acho que eles ainda não estão preparados para isso. Eu não posso simplesmente chegar lá, sem ponderar um pouco o que isso significa para eles. São pais, deves entender a dor que sentem.
- Tu também és Pai...
- Não me peças o que eu não posso, nem me sinto capaz de fazer. E a Sofia? Ela não conhece outra realidade para além de mim e dos avós. Não quero perturbar a quietude de minha filha.
- Estás a fugir, desculpa, mas eu quer me parecer que sim. A menina é demasiado pequena para entender o que se passa á sua volta. Para ela os pais são os avós, pois são eles que estão dia a dia com ela. Tu vais lá de vez em quando, não me parece que te tenha como modelo de Pai, ainda não entende isso dessa forma. Quanto mais tempo passar maior será o laço que a liga aos avós. Um dia quando realmente estiveres disposto a reconquistar o teu lugar na vida da tua filha, pode ser tarde demais. Mas eu não quero te forçar a nada. Apenas achei que poderia ajudar - te a aproximares-te de tua filha. Sabes ás vezes precisamos de alguém que nos empurre para as situações. As situações mal resolvidas no passado não podem permanecer lá, têm que ser enfrentadas. - calei me.
- Vamos dar mais um tempo. Prometo que vou pensar no que me disses-te. Acredita que é muito importante poder finalmente dividir isto com alguém. E alguém como tu, que eu faço questão de dividir minha vida. Dá-me tempo. Preciso de tempo para amadurecer a ideia, para me sentir capaz.
- Está bem. Não insisto. Pensa com carinho. Vemo-nos logo?
- Sim. Podíamos jantar, cinema? Algo assim mais descontraído que te parece?
- Parece me muito bem.

Desliguei. Por uns segundos continuei a olhar para o visor do telefone. Encolhi os ombros, fui me preparar para enfrentar mais um dia de trabalho. A empresa atravessava uma fase de reestruturação, tinha que dar o meu melhor para conseguir o tal cargo que estava há espera há algum tempo. O meu chefe gostava muito de mim, o que era um factor a meu favor claro, mas como ele não tomava as decisões sozinho, teria que ter a aprovação também dos seus sócios. Se a reestruturação saísse, seria promovida a editora chefe, ou seja não teria mais que andar na luta de conseguir clientes para patrocinarem a revista, teria a minha própria equipa para dirigir, isso sim era o desafio que estava á espera há muito tempo. Algo me deteve. Um pensamento sombrio atravessou as minhas divagações. E se Sofia realmente entrasse em nossas vidas de forma permanente, estaria eu disposta a abdicar do que tinha conseguido até agora a nível profissional? Via bem o exemplo de quem trabalhava na revista, sem horas para sair, constantes viagens pelo País, como poderia eu apoiar o Helder, se não estivesse tão presente? Afastei os pensamentos. Não iria sofrer antecipadamente. Aliás a promoção poderia nem sair. Sofia podia não vir para perto do seu pai. Uma coisa de cada vez. Não tinha sido por acaso que entrei em sua vida. Sempre acreditei que há destinos que se cruzam por algum motivo, os nossos tinham-se cruzado, agora restava aproveitar ao máximo esse momento. E eu estava disposta a tudo por ele, tudo mesmo, inclusive a desistir de uma carreira antes tão desejada. Porque na vida há muito mais para além do trabalho e da realização pessoas, e essas coisas quando nos acontecem devemos agarrar com todas as forças para não deixar fugir...

7 comments:

Brown Eyes said...

Bela tu estás uma autêntica profissional. Leio este conto e fico admirada com a maneira como a história se vai desenvolvendo. Sabes que ficamos ansiosas por ler o episódio seguinte? Um beijinho Linda

Mibela said...
This comment has been removed by the author.
Poetic Girl said...

Brown eyes, e eu fico ansiosa por o escrever acredita. Imagino mil e um momentos, mas só na hora que me sento para escrever é que as personagens escolhem o seu destino. Eu não mando nada, elas é que mandam. Ainda bem que estás a gostar... beijinhos

Anonymous said...

Gosto de te ler, hehehe!... Ainda para mais quando dizes que são as próprias personagens que escolhem o seu próprio destino!... Simplesmente lindo!

Beijinhos ;P

Anonymous said...

Sem palavras......

Beijo

Ana (danças) said...

Bem...li até aki e digo-te...k história!!=D
leva-nos para além do imaginário...até me atrevo a dizr k pareces o Nicholas Sparks!!=)
amanha leio o resto...estou a adorar este conto!!mt bonito!!=D

Poetic Girl said...

Ana: Já leste bastante! Ainda estou a escrevê-lo, não está ainda finalizado. Digamos que ainda não sei bem o desfecho que vai ter... bjs