Tuesday, March 8, 2011

Recomeço....

O silêncio da noite quebrou-se com o barulho de uma porta a bater. O som das vozes ecoaram pela casa toda fazendo estremecer os seus alicerces. Miguel acordou sobressaltado. Olhou em seu redor , ao seu lado a sua irmã dormia sossegada. Pé ante é saiu do quarto, os seus pés descalços contorceram-se ao tocar o chão frio. As vozes vinham do fundo do corredor, mais propriamente do quarto dos pais. Avançou apreensivo tacteando no escuro, medindo os seus passos de forma a não tropeçar em algum objecto estranho. Apenas se ouvia a voz do seu pai, áspera, dura. Voz essa dominada totalmente pela bebida que o mantinha escravo de uma situação já de si incontrolável. Engolindo em seco entreabriu a porta, viu o seu pai agarrar a sua mãe pelos cabelos ao mesmo tempo que a obrigava a olhá-lo nos olhos. O cansaço, tristeza no olhar da sua mãe fez o seu coração encolher-se de medo. Naquele momento desejou ser mais velho, desejou que os seus seis anos se multiplicassem, desejou estar à altura de olhar o seu pais nos olhos e dizer-lhe o quanto o odiava. A sua mãe chorava, mas Miguel conhecia bem aquelas lágrimas, naquele momento eram de dor, mas no dia seguinte ela esqueceria as lágrimas, esqueceria as nódoas negras e negaria que aquilo alguma vez ocorrera. Sentou-se no chão do corredor, os soluços tomando conta do seu pequeno corpo. Os gritos continuavam mais e mais, já nem os vizinhos acorriam porque cansaram-se de chamar a policia e de verem que a sua mãe no dia seguinte retirava a queixa. A bebé no quarto começara a chorar. Correu apressado, para a tentar sossegar.
- shhhh não chores pequenina, o mano está aqui. Não chores senão ele vem... não chores por favor. - Miguel sentia-se responsável por aquele pequenino ser. A bebé sentindo o aconchego do colo sossegou, as lágrimas deixaram de rolar. Num esgar de coragem, pousou a menina na cama. Agarrou na sua mochila da escola esvaziando todo o seu conteúdo no chão. Encheu-a de roupa da bebé, partiu o mealheiro de onde retirou as parcas poupanças que tinha e mantinha escondidas dos pais. Vestiu-se apressado, ao mesmo tempo que sufocava os soluços dentro do seu peito. O pânico começava a crescer dentro dele, que iria ele fazer? Sair para a noite fria com uma bebé de meses? Suspirou fundo, tudo era preferível a mais uma noite naquela casa, a mais um dia daquele terror. Abriu a porta da rua, o frio da noite envolvendo-os num gentil abraço. Estremeceu não de frio, não de medo, estremeceu de alívio perante uma vida que o esperava fora daquela casa. A sua irmã ressentiu-se do frio, manifestando um ligeiro queixume, aconchegando mais o seu corpinho contra o seu sussurrou-lhe:
- O mano vai tomar conta de ti, o mano vai... - disse convicto. E avançaram os dois pela noite adentro, incertos do destino que os esperava ao virar da esquina....

Autoria: Lcarmo (Bela)
Desafio Fábrica de Letras
Tema: Violência