Thursday, December 10, 2009

Momento: a duas vozes (parte VII)



ELE

Fomos para minha casa. Precisavamos de um lugar calmo para conversar. Era a primeira vez que a levava lá, estava á espera do momento certo para o fazer, pareceu me sinceramente que esse momento tinha chegado. Era um apartamento modesto, um pequeno T1 que satisfazia plenamente as minhas necessidades de homem solteiro. Não dava muito trabalho, estava bem localizado e a renda era em conta. O ideal para alguém como eu. Senti um frio na barriga, uma certa ansiedade por poder partilhar com ela este local que me era tão querido. Ela observava tudo atentamente. A decoração era bem simples, tipicamente masculina, sem muitos artefactos, nem muito cuidado com as combinações de cores. Cada coisa tinha o seu lugar, não por alguma razão em especial, mas simplesmente porque calhou assim. Para mim o importante era sentir me confortável na minha casa, nunca liguei a essas coisas de decoração.
Ela dirigiu-se para uma mesa onde repousava um retrato. O retrato de Mariana. Olhou - me pronfundamente nos olhos. Tinha chegado o momento das explicações.
- Vais me dizer agora quem é? - perguntou a medo.
Sentei me no sofá, estendi - lhe a mão. Sentou - se ao meu lado:
- Claro que sim. respondi, respirando fundo e comecei meu relato: - Conheci a Mariana quando ambos eramos caloiros na faculdade. Mariana era uma menina doce, alegre, cativou me desde o primeiro momento que a conheci. Mas Mariana era obstinada, era daquelas pessoas que encontras poucas na vida. Sabia o que queria, quando queria e como queria. Deu me luta conquistá-la. Não foi fácil, por várias vezes pensei em desisitir, por vezes parecia que brincava com meus sentimentos. E eu desejava-a tanto! Nunca antes tinha sentido isso por alguém, após muita instistência minha fomo-nos aproximando, passavamos muito tempo juntos e as coisas acabaram por acontecer naturalmente. Foram os melhores anos da minha vida. Não viviamos um sem o outro. A nossa relação era especial, Mariana era tudo o que sempre quis. E eu estava tão certo disso que lhe pedi para casar comigo. Loucura das loucuras. Ambos sem o curso terminado ainda, conscientes de que estariamos a caminhar para um abismo que possivelmente nos iria engolir, mas mesmo assim decidimos arriscar. Não casamos. Ela não quis. Disse que lhe chegava dividir o mesmo tecto comigo, que não era um papel que iria mostrar ou não o que sentiamos um pelo outro. Foi maravilhoso. Foi dificil. Como deves imaginar as familias não gostaram da ideia, deixamos de ter o apoio deles. Tivemos que lutar muito, trabalhavamos e estudavamos. Foram tempos dificieis em que por vezes havia dias que mal nos cruzavamos. Mas estavamos felizes, juntos e nada mais importava. Até ao dia em que Mariana descobriu que estava grávida. - parei a minha narrativa. Olhei no profundo dos seus olhos, tentei ler neles a reacção ao que tinha acabado de contar, estava inexpressiva. Continuei: - No inicio foi o choque. Mal tinhamos meios de nos sustentar, quanto mais poder sustentar uma criança. Ambos choramos, de alegria porque era o símbolo da nossa união, de tristeza com receio do que nos esperava. Mas nunca em momento algum pensamos em não ter essa criança. Essa hipótese nunca nos passou pela cabeça. Foi uma gravidez dificil, Mariana passou sempre muito mal, chegando a ter que estar de repouso os ultimos meses antes do parto. Sinceramente agora que olho para o passado não te consigo dizer como aguentei, ela definhava de dia para dia, eu via a cor da sua pele mudar de tonalidade, eu via os seus olhos encovados. Eu via-a sofrer, a sentir-se agoniada e eu não podia fazer nada. Estive a seu lado dia e noite, humilhei me perante seus pais pedindo clemência, que precisavamos de apoio, o dinheiro escasseava e eu não a podia deixar para ir trabalhar. Estava ao seu lado 24 horas por dia, mal comia para estar sempre atento a qualquer sinal dela. Felizmente seus Pais acabaram por se compadecer da situação, conscientes de que a sua filha estava em sofrimento, que era a hora de fazer as tréguas. Mariana mesmo nos dias piores, que as dores a impossibilitavam de sorrir, era corajosa, Acariciava seu próprio ventre, falava com aquele pequenino ser que crescia dento dela. E eu admirava-a tanto. A minha coragem desvanecia-se dia a dia. A médica dizia me que o parto dela iria ser complicado, que tinham detectado um problema no sangue, que estavam receosos do que poderia suceder. Até ao dia que sucedeu. Mariana foi internada de urgência. Deu entrada no hospital uma noite de madrugada, eu estava ao seu lado. Ela deu me a mão e disse me: "Tomas conta dela por mim? Quero que ambos sejam felizes...". Senti me engasgado, não consegui balbuciar uma palavra, nem sequer um simples "Amo-te". Entrou para a sala de partos e de lá não a via mais sair...
Levantei - me. Não era fácil abrir meu coração desta forma. Não falava de Mariana há algum tempo.
Senti a mão dela em meu ombro.
- E o bebé? - perguntou apreensiva - O bebé faleceu também?
Respirei fundo. Dirigi me á prateleira onde fui buscar um album. Entreguei-lho. Ela abriu-o. Seu olhar percorreu as fotos onde estava retratado um bebé lindo, a minha filha. Estremeci. Tão parecida com a mãe. Tão parecida que sempre que olhava para ela era me impossível não sentir o meu peito desfazer-se por dentro.
- Tão linda! Tem os teus olhos. Como se chama?
- Sofia.
- Sofia. E onde está a Sofia? - seu olhar percorreu a casa á procura de indicios que lhe indicassem a presença de uma criança naquela casa
- Sofia vive em casa dos pais de Mariana. Foram eles que ficaram com ela a seu cargo.
- Mas tu és o Pai! Tens direito!
- Eu não quis. Achei que era melhor ela ser criada num ambiente familiar do que viver com um pai solteirão que não fazia a minima ideia do que era criar uma criança. Marilyn eu não tinha outra alternativa, sem emprego, sem apoios nenhuns como ia conseguir criar a menina sózinho? Custou me muito, chorei dias a fio, quebrei a promessa que fiz à Mariana e isso consome-me por dentro desde então. Tenho tentado ser um pai bem presente na vida da minha filha, mas sinto que de cada vez que vou aquela casa, sinto o olhar de culpa dos pais de Mariana em mim. Eu sou o culpado de ter acontecido o que aconteceu. Se não tenho sido imaturo, esperado o momento certo das coisas acontecerem provavelmente ela hoje ainda estaria aqui. E eu vivo diariamente com essa culpa. E de cada vez que sinto olho para a minha filha, penso que a privei da presença da sua mãe. Que no fundo se eu tenho sido mais homem, não ter precipitado o facto de vivermos juntos, as coisas teriam sucedido de forma diferente.
- Ou talvez não. As coisas acontecem porque têm que acontecer, quando têm que acontecer. Mesmo que tivesses feito tudo de forma diferente, isso não significa que Mariana não viesse a ter complicações na mesma. A vida é mesmo assim. A gente não controla, podemos fingir que sim, que escolhemos os caminhos, alguns até escolhemos, mas outros meu querido estão logo traçados e por muito que nos tentemos desviar não conseguimos.
- Tu estavas no meu caminho. - disse lhe eu
- Sim eu estava no teu caminho, aliás eu estou. - aproximou-se de mim lentamente, senti o toque da sua mão acariciando meu pescoço. Estremeci. Obrigou me a inclinar . O toque dos seus lábios foi um choque eléctrico que percorreu todo o meu corpo. No inicio suave, um leve toque gentil, beijando sem estar beijando, brincava com as minhas defesas. Não aguentei. Puxei-a para mim e beijei-a avidamente.

4 comments:

Anonymous said...

Que mais posso dizer?... Está lindo! Envolvente... Sem palavras para descrever o que sinto quando leio este momento a dois!...

Beijinhos ;P

Anonymous said...

E eu a pensar q nao podia melhorar muito....
Afinal a cada conto q passa, a história vai-se tornando mais envolvente e cada vez nos "agarra" mais a ela....
Continua q estamos todos à espera de mais contos ;)

Bjs

Poetic Girl said...

Libelinha, ainda bem que gostas... fico mesmo feliz...

diz que disse, A ideia é que vos continue a surpreender... beijos

Brown Eyes said...

Bela este conto está a absorver-nos de episódio para episódio mas está a entrar numa parte difícil. Essa criança terá que ir viver com o Pai e como tirá-la dos avós? Bem será que é assim que a história vai seguir? Veremos. Aguardamos ansiosas(os). Beijinhos Linda e obrigada por estes minutinhos tão relaxantes que nos dás.