Wednesday, February 17, 2010

Momento: a duas vozes (parte XII)

ELA

De volta á realidade. Mais uma semana que começava, o dever chamava. Tinham sido dois dias fantásticos, em que me rendi aos encantos de Sofia e fiquei ainda mais apaixonada pelo Helder. Os homens quando se entregam a uma criança conseguem ser fantásticos, vi um brilho nos olhos dele que nunca antes tinha visto, uma alegria que contagiava quem estava ao seu lado. E Sofia, Sofia era um amor de bebé, não dava trabalho nenhum, obediente, raramente chorava ou lamuriava. A forma como me deixou aproximar-se de si, tocou-me imenso, amava aquela pequenina como se fosse minha, ou talvez até mais.
Olhei pela janela do escritório. O chefe tinha convocado uma reunião que iria com certeza prolongar-se pela noite dentro. Era costume, Hoje não daria para ver o Helder. Enviei uma mensagem a avisá-lo que sairia bastante tarde do escritório mas se ele quisesse poderia esperar por mim em minha casa. Ainda daria para pelo menos podermos adormecer lado a lado. Sorri. Um pensamento malandro cruzou a minha mente. Agarrei nos meus apontamentos e fui para a reunião.
O chefe já me esperava. Folheava uma revista da concorrência. Sorriu-me quando entrei:
- Marylin, então como estás?
- Bem Miguel, e tu como estás? - o tratamento entre nós sempre tinha sido informal, afinal tínhamos sido colegas de licenciatura. E isso não se alterou quando ele me convidou para fazer parte da empresa que tinha herdado do Pai. Era um bom amigo, sem dúvida que sim. Bom profissional, alguém que sabia o que queria e conseguia o que queria. Tínhamos um bom entendimento.
- Trouxe-te os gráficos que me pediste. - disse-lhe eu enquanto lhe entregava as folhas.
- Podes pousar aí, mais tarde vou analisá-los. Não sei se tinhas algum assunto em mãos quando solicitei esta reunião, mas precisava mesmo de falar contigo hoje sem falta. Tenho vindo a adiar esta conversa há alguns dias, mas não posso adiar mais. - olhou-me directamente nos olhos.
O meu coração disparou, por momento passou pela minha mente o facto de poder vir a ser dispensada. Tentei parecer serena, inabalável. Apesar de a empresa ter estabilidade financeira, os mercados estavam cada vez mais difíceis e os contratos de publicidade atravessam uma fase estagnada.
- Estamos com problemas em Londres. O Adam despediu-se esta semana, teve uma contra-proposta irrecusável e vai sair dentro de alguns meses. Como sabes isto é desastroso. Ele era o meu braço direito lá, estou mesmo desnorteado com este assunto.
- Iremos ter que contratar alguém para o substituir. - respondi eu
- O problema é esse mesmo, ele é insubstituível. Mesmo que contratasse alguém iria demorar muito tempo para conseguir formar alguém para estar á altura dele. Sabes que é um trabalho de muita responsabilidade, não existe mais ninguém acima dele. E temos uma equipa de 12 pessoas para gerir. Não é tarefa fácil.
Suspirei. Sim Adam era realmente insubstituível.
- Por isso só me ocorre uma pessoa capaz de o substituir. Tu.
- Hmmm? Eu? - perguntei incrédula
- Sim tu, quem mais? Tu geres este escritório aqui, serás bem capaz de gerir o outro. Só muda a língua, o conteúdo e trabalho será basicamente o mesmo.
- Mas eu nunca conseguirei gerir um escritório estando tão fisicamente longe dele! Isso é impensável Miguel!
- Eu não te estou a dizer para o gerires daqui obviamente, isso não fazia sentido. Terás que ir viver para lá. Eu já pensei...
Deixei de o ouvir. Mil pensamentos afluíam à minha mente a uma velocidade estonteante. Mecânicamente peguei no copo para beber um gole de água, sentia a garganta seca, a sala rodopiavava á minha volta.
- Estás a ouvir o que estou a dizer? - perguntou ele enquanto me colocava a mão no ombro. Delicadamente retirei-lhe a mão, não gostava das confianças excessivas dele. Ela sabia qual era a minha opinião em relação a toques mais pessoais entre nós. Isso já tinha terminado há muito.Algures nos tempos de faculdade.
- Sim - balbuciei.- mas eu não posso ir! - O ricardo está a contar comigo para o cargo de editora-chefe eu já lhe tinha dito que estava interessada no cargo mal o André se reformasse.
- Isso já está tratado. Neste momento fazes mais falta em Londres do que aqui. Acredita vai ser um bom desafio para ti, vais ganhar mais obviamente e não terás custos nenhuns a não ser o teu dia-a-dia, o resto será suportado pela empresa.
- Miguel, eu... - mordi o lábio. Não queria de forma alguma sair do país. Se esta promoção tivesse saído antes do Helder ter entrado em minha vida, eu nunca hesitaria, aceitaria de imediato. Mas agora... agora havia alguém que me prendia cá. Alguém que dependia de mim para o ajudar na batalha que ia iniciar. Como poderia apoiá-lo estando fisicamente tão longe? Como ficaria a nossa relação, os nossos sentimentos? - E se eu recusar-me a ir? Não poderás certamente obrigar-me.
- Não posso obrigar-te, mas estou-te a pedir como amigo e não como patrão. Preciso de ti Marylin, não me falhes agora.
"Precisas tu e precisam os outros" pensei. Levantei-me, caminhando até á janela. Olhei a paisagem, o vai vém dos carros, das pessoas, a azáfama citadina. Tentei conter as lágrimas que teimavam em brotar dos meus olhos. A muito custo consegui..
- Sabes que agora tenho uma relação mais ou menos estável, não me queria afastar daqui agora.
- A tua carreira não pode ficar em suspenso só porque tens uma relação. Todos as temos, algumas mais intensas que as outras. Mas estamos a falar da tua carreira. Uma oportunidade única na vida que te estou a oferecer, mas a verdade é que não posso confiar em mais ninguém. Estou de pés e mãos atados. Se não aceitares, provavelmente irei encerrar a empresa lá e aquela gente toda vai para o desemprego.
Estava a fazer chantagem emocional. Ele sabia bem como tocar nos meus pontos fracos. Sabia que não hesitaria em me sacrificar em prol dos outros, sabia que eu era alguém que seria incapaz de prejudicar outra pessoa. Ele sabia e estava a jogar esse trunfo. Olhei-o nos olhos. Uma vontade de sair porta fora, agarrar nas minhas coisas e fugir. Não ter que decidir, não ter que escolher coisa alguma. Qualquer escolha que fizesse iria magoar uma das partes, inclusive a mim própria. Ele era um homem de negócios, tinha cifras em lugar do coração, era prático, nada agarrado a estas coisas das relações e da dependência por alguém que se ame. Por isso a nossa relação não resultara. Era frio, demasiado prático para se deixar comover por emoções. Um típico homem de negócios. E sabia que a minha resposta sempre lhe seria favorável, pois apesar de tudo eu sempre tinha sido casada com o trabalho, até ao dia que conheci o Helder e me comecei ligeiramente a divorciar.
- Preciso de pensar - tentei ganhar tempo. - Posso te dar a resposta amanhã?
- Amanhã sem falta.
- Amanhã te darei a resposta. - disse enquanto me levantava e me dirigia para a porta.
- Marylin- chamou-me, virei-me para o olhar - Pensa no bem da empresa, no bem que estarás a fazer por aquelas pessoas, o emprego delas está em risco.
- E o meu bem, Miguel? - perguntei com mágoa na voz
- Tens sempre opção de largar tudo, mas sei que não é isso que queres.
- Porque tenho a sensação que me estás castigar por algo? -
- Não te estou a castigar, estou a dar-te uma oportunidade de mudares o rumo da tua carreia. Qualquer pessoa ficaria deliciada com esta proposta.
- Mas eu não sou qualquer pessoa - retorqui
- Não, mas é uma mulher moderna, que lutou para chegar até aqui e não me parece que vá desistir agora, porque essa palavra não existe no teu dicionário.
Abri a porta e saí. Por momentos pareceu-me vislumbrar-lhe um sorriso de triunfo. Teria sido impressão minha? Dirigi-me ao meu gabinete, batendo com a porta ao entrar. Estava furiosa. Na minha vida nunca nada acontecia no timming perfeito, agora que tinha tudo para me prender cá, surgia algo que me obrigava a ir para lá. A sensação de não ter controle sobre a minha vida me assolava. Com um gesto brusco e rápido empurrei as coisas que estavam em cima da secretária para o chão. Fizeram um estrondo enorme. Aninhei-me para as apanhar. As forças esquivaram-se, fiquei prostrada no chão, as lágrimas a escorrer e uma sensação de estar perdida num labirinto me invadiu? Que caminho escolher?

Autoria: Lcarmo (Bela)
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4 comments:

Libelinha☆ said...

Ela não pode ir para Londres... Não pode!...

Beijinhos ;P

Brown Eyes said...

Bela eu daria a resposta imediatamente: Não iria para Londres por nada deste mundo. Nada é mais importante que o amor. Vemos ver o que ela decide. Beijinhos

Pat said...

AI o amor !
é sempre o melhor tema, é sempre o melhor que temos.
Por amor fazemos tudo!
Es escritora?

beijinho da curiosa abelha:P

Poetic Girl said...

Libelinha: Será que vai? bjs

Brown eyes: Eu também não iria, mas a minha personagem que irá escolher? bjs

Abelha: É o amor realmente comanda a vida, ou pelo menos devia... Não sou escritora, gostava de ser. Escrevo como passatempo, forma de colocar cá para fora todas estas vozes que não se calam... Curiosos todos somos ;) beijinhos