Tuesday, April 6, 2010

Momento: a duas vozes (parte XVIII)

imagem daqui

ELA


"Helder continuava sem me atender o telefone. Perdi a conta das chamadas que fiz, das mensagens que enviei. Fui para casa preparar a mala. Não era fácil fazer-se uma mala assim sem planos de regresso. Mecânicamente lá enfiei alguma roupa, não estava muito preocupada em escolher o que levar. Nada me importava. Sentei-me na beira da cama, olhei para o espelho que me retribuía uma imagem desoladora. Olheiras enormes, cabelo em desalinho. E se fosse procurá-lo? Podia ir a casa de Ana, ver se ele se encontrava lá. Pois podia. Sem pensar duas vezes, decidi ir. Quando dei por mim já me encontrava à porta da casa da Ana a tocar à campainha. Foi ela que veio abrir a porta.

- Olá - balbuciou surpreendida por me ver

- Olá Ana, o Helder está por aí? - perguntei ansiosa

- Não. Ele esteve aqui de manhã, deixou a menina, mas ainda não regressou.

- Ah. - ficamos ali as duas sem saber que dizer uma à outra.

- Não quer entrar? - convidou a Ana - Eu ia mesmo tomar um chá, faz-me companhia?

- Sim faço. - precisava mesmo de beber alguma coisa, com o meu estado de ansiedade não fazia uma refeição desde ontem.

Fomos para a salinha de estar, onde me sentei num dos sofás. Perguntei por Sofia, Ana disse-me que tinha ido ao parque com o avô.

Ana foi à cozinha. Fiquei ali sozinha, meu olhar deambulando pelos retratos de Mariana que decoravam a sala. Senti-me a invadir um espaço que não era meu. Ana voltou rapidamente, livrando-me de uma série de pensamentos que me começavam a inquietar. Em silêncio serviu.nos a ambas. O chá cheirava mesmo bem, a jasmim. Ficamos ali sentadas, cada uma embrenhada nos seus próprios pensamentos. Ana foi a primeira a interromper o silêncio.

- Eu não tenho o direito de me imiscuir na vossa vida, mas estou certa de que algo se passa. Helder hoje estava transtornado, tão transtornado como no dia em que a minha filha partiu. Eu sei que não fui correcta contigo no inicio, espero que me perdoes, mas era o coração de mãe a falar mais alto. Eu olhava para ti e imaginava que podias ser a minha filha entendes? - Aquiesci, sentindo um nó na garganta. As lágrimas escorriam dos meus olhos. Senti-me frágil, exposta. - Deu para entender que alguma coisa se passou. Não sei o quê, helder não me contou, mas pelo vosso estado dá para ver que vos está literalmente a empurrar para caminhos opostos. E sinceramente não gostaria de ver isso. Não depois de ter visto o que a tua presença fez á vida da minha neta e do Helder. Foste uma lufada de ar fresco, foste o ar que eles precisavam para respirar. E mesmo tendo a minha dor de mãe ainda muito latente, tenho consciência de que neste momento tu saíres da vida deles seria um desastre total. Eu gosto muito do Helder, temos as nossas diferenças, mas nunca em momento algum o achei culpado do que aconteceu a mariana. Foi uma fatalidade. Podia ter acontecido muito mais tarde. E sinceramente quero que ele consiga a estabilidade que tanto precisa, para criar a menina, porque é muito complicado criar-se um filho sozinho. Estes últimos dias tomei consciência de que tu eras mesmo o que ambos precisam. Estou enganada?

Olhei-a nos olhos. Por entre os meus olhos encharcados de lágrimas mal a conseguia ver. Ela abriu-me os braços e eu deixei-me abraçar. Ainda chorei mais pois lembrei-me da minha própria mãe. Não sei por quanto tempo chorei, Ana foi paciente não me apressou. Então abri meu coração para ela. Falei-lhe do que me ia na alma, da minha mãe, da ida para Londres, do quanto queria dividir minha vida com o Helder e a Sofia. Ela ouviu-me. Até ao fim. Não me interrompeu. E eu senti-me melhor por tirar este peso dentro de mim. As lágrimas cessaram por elas mesma, o coração sentiu-se menos angustiado.

- Ana, eu tenho que ir. - olhei-a nos olhos - A Ana entende, não entende?

- Não esperaria outra coisa de ti. Esta tua atitude só veio reforçar a ideia que vinha moldando de ti. És alguém consciente dos seus valores morais, e neste momento a pessoa que mais depende de ti, quer queiras quer não, é a tua mãe. E estás a fazer o que é correcto. Claro que estás a pagar um preço demasiado caro para teres essa postura, mas minha querida, a vida é assim mesmo. Dá-nos com uma mão, tira com a outra. Não vês o meu caso? perdi a minha filha, mas ganhei uma neta. Nem tudo é mau, nem tudo pode ser mau. Quanto ao Helder, ele é muito temperamental. Destruíste-lhe os sonhos que ele andava a sonhar para ti e para Sofia. Vai demorar algum tempo a ele se consciencializar de que ás vezes temos que tomar o rumo de algumas estradas secundárias para podermos regressar à estrada principal. Sim são atalhos. Desvios. Mas que depois mais à frente se voltam a cruzar. Não me quer parecer que ele esteja em condições de abdicar de um amor assim, não depois do que passou. Mas vais ter que lhe dar tempo. Vai para Londres, segue o teu curso de vida. Ele vai cair em si, no dia em que acordar e se der conta que estás longe. Então aí terá que ser ele a fazer uma escolha, o de lutar por ti, ou ficar de braços cruzados. Faz de conta que é um intervalo na vossa relação do qual a mesma só terá que sair fortificada. O meu instinto diz-me que sim. Mas podes estar descansada ainda vou falar com ele sobre isso. Quem sabe ele não concorda em ir contigo, eu fico com a menina. Para tudo há solução nesta vida, menos para a morte. Convém nunca se esquecerem disso. E mortes já houve que chegue nesta família.

Acariciou-me o cabelo, enquanto me dava um beijo meigo na testa. Senti-me muito reconfortada pelas palavras desta senhora também ela já tão sofrida. Esbocei um sorriso de agradecimento. Não eram necessárias palavras pois não? Era chegada a hora de eu ir embora, queria evitar ver Sofia para evitar a dor da despedida. Agradeci-lhe mais uma vez, o facto de me abrir o seu coração daquela forma e saí de lá confiante de que se haveria alguém capaz de abrir os olhos ao Helder, seria ela com certeza. Entrei no carro e fui para casa terminar de fazer a minha mala."

Autoria: Lcarmo (Bela)

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5 comments:

Libelinha☆ said...

Ahhhh... Que bom... já consigo ver algumas soluções para estes dois... Cada vez mais vibrante...
Corre-me sempre um lágrima sempre que leio este momento a dois!...

Beijinhos ;P

medeixagozar@ said...

Estou a gostar...

Bjs,
http://medeixagozar.blogspot.com/

Poetic Girl said...

Libelinha: Oh eu não te quero fazer chorar!!!!! bjs


Medeixagozar: Ainda bem! Obrigada pela visita... bjs

Brown Eyes said...

Bela a história está cada vez mais interessante. Ainda não partiu, por isso continuo na esperança. Beijinhos

Poetic Girl said...

Brown Eyes: A esperança é sempre a ultima a morrer, bjs