Tuesday, March 9, 2010

Momento: a duas vozes (parte XIV)


ELA


Estive ali prostrada no chão até me sentir gelada. Olhei ao meu redor, a sala encontrava-se silenciosa. Provavelmente já toda a gente teria ido para casa. Levantei-me, sentindo-me tonta. Tive que me segurar na secretária, tal era a velocidade que a minha cabeça andava á roda. Reuni as minhas coisas e preparei-me para sair. Peguei no telemovel, vi que tinha imensas chamadas não atendidas. Quase todas do Helder. Fiquei por momentos a pensar se deveria ou não responder. Retornei a chamada. O telefone chamava mas ele não atendia. Claro depois de tantas chamadas perdidas provavelmente devia estar furioso comigo. Saí do edificio ainda cambaleante. Procurei o carro e entrei. Não sabia muito bem para onde ir. Apetecia-me ir para todo o lado menos para casa. Helder continuava sem atender. Acabei por me decidir ir para casa. Precisava de um banho quente, bem quente, para me ajudar a esclarecer as ideias. Nunca o caminho para casa me pareceu tão longo.

Entrei em casa, estava tudo silencioso. De que estaria eu à espera de alguma recepção? Liguei a luz da sala, sentei-me por momentos no sofá. A minha cabeça doía, o meu coração estava apertado. Olhei o meu aspecto no espelho da sala e assustei-me. Que aspecto eu estava. Descalcei os sapatos, atirando com eles para bem longe. Depois arrumaria, agora não. E se fosse direitinha para a cama? assim sem banho sem nada? Se me aninhasse tal qual um gatinho se aninha por debaixo dos lençóis quando não quer ser incomodado? Dirigi-me para o quarto. Caminhei ás escuras. Meu pé calcou algo que me magoou. Pensei de imediato que estranho de manhã tinha deixado tudo arrumado. Aninhei-me para ver o que era. Um brinquedo? Que fazia um brinquedo no meu quarto? Queres ver que... ? pensei. Acendi a luz de imediato, os meus olhos não estavam preparados para ver o que viram. Na minha cama estavam dois estranhos, bem não eram propriamente estranhos, mas nunca esperei vê-los ali aos dois. Helder estava com um ar cansado, abatido. Sofia estava aconhegadinha nos braços do Pai. As minhas pernas estremeceram perante a ternura de um quadro tão bonito. Sentei-me na beira da cama, fiquei a vê-los dormir. Como poderia eu perturbar a paz dos dois? Teria eu direito de agora com as minhas atitudes mudar a vida deles? Para quê entrar na vida deles para agora desaparecer? Uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Eu não podia recusar a proposta. Não podia. Havia alguém que dependia e muito de mim. Alguém de quem eu ainda não falara a Helder, mas agora teria que o fazer. Eu não estava em condições de arriscar perder o único sustento tanto meu, como de alguém que dependia tanto de mim. Nao podia falhar agora não podia... mas ia falhar com o Helder. E os nossos sonhos? Os nossos planos? A situação financeira dele também não era assim tão estável, e ainda havia Sofia que tínhamos que pensar. A minha cabeça latejava, por mais voltas que desse na minha cabeça não havia solução possível à vista. Iria para Londres, sabia lá eu quanto tempo, em que condições. Iria ser miserável nesse tempo que ia lá estar, mas a minha decisão estava praticamente tomada não estava? Não tinha outra alternativa. E ele, ele não tinha condições de vir comigo. Não ia mudar-se para um país estranho com a filha a reboque, sabendo de antemão que tanto eu como ele teríamos que trabalhar para conseguir face ás despesas e que não tínhamos quem ficasse com a menina. A vida nunca me pareceu tão cruel, como naquele momento, deu-me algo de forma efémera para agora me tirar da pior forma possível. Ter que me fazer escolher, como se escolhe abdicar do amor da nossa vida? Como se entrega de bandeja a felicidade? Olhei para aqueles dois rostos que eu sonhava fazerem parte do meu futuro, pensei sinceramente que ia ver Sofia crescer ao meu lado. Gostava tanto daquela menina, que de minha não tinha nada, mas que eu considerava como minha. Estendi-me ao lado do seu corpinho, fiquei ali a observá-la dormir. Ouvi a sua respiração, ouvi o bater do seu coraçãozinho. O meu dedo desenhou o contorno do seu rosto, segurei a sua mãozinha na minha. Tão linda, tão perfeita, podia ser minha. Mas não era. E provalmente não o viria a ser mais. Um soluço subiu à minha garganta. Levantei-me rapidamente, precisando de ar. Comecei a tossir, tal era a aflição que senti. Helder acordou com a minha aflição. Num instante estava ao meu lado, obrigando-me a pôr de pé.

- Pronto já passou - sussurou ele

E eu desatei a chorar. Chorei, chorei muito. Ele olhava para mim, confuso, sem saber que tinha feito para despoletar tal desespero. Aninhei-me mais nos seus braços. Quis senti-lo ainda mais junto a mim, quis que aquele momento se perpetuasse.

- Que fazes aqui com a menina? - perguntei enquanto enxugava as lágrimas.

- Ela sofreu um pequeno acidente doméstico. Já viste a ligadura na cabecinha dela? - virei-me. Não tinha reparado. A cabecinha dela estava inclinada e não dava para ver o curativo.

- Mas ela está bem? - perguntei preocupada enquanto me acercava para ver mais de perto o ferimento

- Sim está. Foi o primeiro de muitos sustos que provavelmente ainda nos vai dar... - este nos no fim da frase fez o meu coração apertar-se. Como iria lhe contar a verdade? Quando?

Levantei-me da cama. Evitei o seu olhar.

- Vou tomar um banho bem quente. Hoje foi um dia complicado. Devias descansar também. - disse-lhe enquanto lhe beijava os lábios.

- Sim vou descansar, estou mesmo estourado. Não demores muito, esperamos por ti. - disse enquanto se aconchegava novamente ao lado da filha

- Não demoro. - Prometi enquanto fugia para a casa de banho. A água quente soube bem em meu corpo, fiquei ali por bastante tempo, talvez com a ilusão de que a água de alguma forma me iria trazer alguma paz de espírito. Não trouxe. Depois do banho voltei a me aconchegar junto de Sofia. Ela ali no meio de nós os dois. Um inocente no meio de uma trama já bem complicada. Amanhã iria ter que falar com Helder, teria que reunir a coragem necessária para lhe explicar o que se passava. Estaria no direito de expôr terceiros? Fiquei ali por tempo indeterminado a olhar o tecto. A luz que entrava pelas frinchas da janela brincava com os reflexos no tecto. Fiquei assim minutos, horas, até que vencida pela exaustão também eu adormeci.

Autoria: Lcarmo (Bela)

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9 comments:

Eva Gonçalves said...

Escreves muito, muito bem... e gosto imenso de te ler e mais, sinto que já devemos ter passado por emoções semelhantes... pois descreves tão bem, mesmo que em ficção(julgo), emoções que me sinto no papel dos personagens e isso, minha querida, é um dom... :) Beijinho!!

Libelinha☆ said...

Isto está a ficar complicado... estou ansiosa pelo próximo momento!...

Beijinhos ;P

Johnny said...

A ver se apanho o fio à meada. Muito bom.

Poetic Girl said...

Eva: Eu gosto muito de escrever sobre as emoções... algumas baseadas na minha própria experiência outras nem por isso. Sempre gostei de escrever, esta história surgiu assim do nada, tem vindo a crescer e dá-me imenso prazer escrevê-la... bjs

Libelinha: Brevemente chega! bjs

Johnny: É já vai adiantado já... mas depressa apanhas... bjs

Marcelino Teles said...

Espectacular,. Por muitas palavras que sejam escritas...não palavras para descrever.

Poetic Girl said...

Berdades: Bem vindo por aqui... obrigada... bjs

Maggie said...

poetic girl, obrigada pelos comentários que tens deixado no meu blog! gosto dos teus textos ;) Beijinhos

Brown Eyes said...

Bela não te vou falar da maneira como escreves e o que sentimos ao ler-te, já tu disse muitas vezes, vou apenas falar da história: está cada vez mais complicado. Mas ela não pode deixar essa menina, seria demasiado complicado para todos, principalmente para a menina. Vá anda lá, dá lá volta a isso para ela pôr a ida de lado. Tu não me mates do coração. Beijinho

Poetic Girl said...

Maggie: Gosto muito de ir ao teu cantinho... obrigada.. bjs

Brown Eyes: É a história adensa-se... por ela mesma, eu deixo-os escolher o que querem. Será que Marylin vai escolher ir? bjs