Sunday, March 14, 2010

Momento: a duas vozes (parte XV)


ELE

Deixámos-nos dormir os três. Quando acordei já o sol entrava pelas frinchas da persiana. Espreguicei-me, doía-me o corpo, tinha passado a noite toda virado para o mesmo lado para não incomodar Marylin nem a menina. Olhei para elas com carinho, as duas ali sossegadinhas. Levantei-me sem fazer barulho, como era sábado elas mereciam descansar. Fui até á sala, abri as janelas para a luz do sol me brindar. Olhei para o movimento dos carros na rua. A azáfama habitual já estava a tomar conta do dia. Fui para a cozinha, fazer o pequeno almoço para as minhas princesas. Um miminho depois de um dia esgotante iria saber muito bem. Tínhamos que aproveitar o dia lindo que estava. Uma ideia ocorreu-me podíamos ir ao Jardim Zoológico de certeza que Sofia ia adorar, Marylin e eu estávamos a precisar de passear um bocado ao ar livre para esquecer o stress do trabalho. Por pensar em trabalho teria que ainda acabar os relatórios mensais para enviar ao chefe, a parte mais chata, tratar das burocracias, definitivamente burocracias não era mesmo comigo. O telefone tocou corri para atender para não as acordar.

- Sim? -atendi - como era o telefone da casa de Marylinn ainda não estava muito habituado como havia de atender.

- Bom dia a Marylinn está? - uma voz de homem do outro lado

- Está a dormir. Quem está ao telefone? - perguntei. Do outro lado seguiu-se um silêncio apenas quebrado pelo barulho característico da linha.

- É o Miguel, o chefe dela. Não pode acordá-la?

- Eu preferia não a acordar, deitou-se tarde e hoje como é sábado precisa de dormir mais um pouco. Mas se quiser pode deixar recado que eu mal ela acorde dou.

Continuou o silêncio. Já estava a ficar irritado. Sabia muito bem que este Miguel era arrogante pois já tinha tido o prazer de o conhecer. E não tinha sido uma experiência nada aliciante. Miguel era frio, arrogante, parecia ter em relação a Marylin uma relação de possessão que eu não gostava nada de ver. Se estava com ciúmes? Sim estava.

- Olha diz-lhe que preciso de falar com urgência. Ela vai ter que seguir para Londres já segunda feira pois a situação que falamos ontem ficou mais urgente. Preciso mesmo dela, vou tratar dos bilhetes.

- Londres? - perguntei estupefacto. Sabia que eles tinham negócios fora do país mas ela nunca me tinha dito que iria surgir a necessidade de ter que se ausentar do país. - A semana toda? - perguntei

- Não ela vai já de carácter definitivo. O mais tardar seis meses. Bem ela que me ligue então, não te esqueças que é urgente.

E desligou. Fiquei por momentos como que petrificado. Devia ter entendido mal. Só podia ser. Marylin não me tinha nunca falado nessa possibilidade. Por momentos foi como se o ar deixasse de circular dentro dos meus pulmões. Provavelmente eu tinha entendido mal. Ele estaria a falar em viagens constantes de cá para lá e não de carácter permanente. Afinal Londres não era tão longe assim não era? E ela poderia vir cá várias vezes, a empresa era sólida com certeza não haveria problema de custear essas viagens. Tentei me convencer a mim mesmo que a situação não seria tão grave quanto a minha razão me dizia que era. Senti o cheiro a esturro vindo da cozinha, corri para lá. A custo consegui retirar as torradas praticamente todas negras, irreconhecíveis. Atirei-as para a banca. Tive que abrir a janela para sair o cheiro de esturro que emprestava a cozinha e me invadia o nariz. Senti uma mão no meu ombro. Virei-me. Ali estava ela, linda como nunca, vestida apenas com uma camisa que pouco deixava á minha imaginação. Colocou-se nas pontas dos pés, beijou meus lábios de forma ternurenta.

- Bom dia Querido. - sorriu. Sorriso mais lindo que tinha. Por momentos esqueci completamente Londres, Miguel, tudo ao nosso redor. Ficamos ali na cozinha a trocar caricias matinais. Beijei a sua orelha.

- Quando me ias contar de Londres? - perguntei enquanto a segurava nos meus braços. Senti-a ficar tensa. Afastou-se dos meus braços. Seus olhos evitavam os meus.

- Como sabes de Londres? - perguntou assustada.

- O Miguel ligou diz que vais ter que ir já segunda feira.

- Mas eu ainda não lhe dei a resposta. - disse ela enquanto correu á sala para buscar o telemóvel.

- Eu não me pareceu que ele estivesse à espera de uma resposta, pareceu-me ser facto assente.

- Helder, eu só soube ontem. E ontem não te quis contar, era tarde e....

- É foi preferível eu descobrir assim por terceiros que a mulher com quem estou a pensar dividir a minha vida vai para Londres trabalhar seis meses ou mais. Sabendo tu o que significa para mim não te ter ao meu lado neste momento importante com a Sofia.

- Helder eu... - ela olhava para mim implorando-me compreensão. Mas eu estava aterrorizado, sentia que a estava a perder e isso doía imenso. Mais do que eu alguma vez julgara ser possível. Dirigi-me para o quarto. Ela ficou na sala impávida. Ouvia-a falar ao telefone, estava exaltada, nervosa. Devia ser com o Miguel pensei. Acordei a menina, custava-me ter que o fazer. Mas precisava de ir para longe dali. Pensar no que iria fazer. Que caminho escolher. Sofia chorou, detestava ser acordada. A muito custo consegui vesti-la, ainda meia sonâmbula, também devia ser consequência dos medicamentos fortes a que estava sujeita. Vesti-me também rapidamente. Agarrei nas minhas coisas e da menina, caminhei até á sala. Marylin continuava ao telefone. Olhou para mim implorando com o olhar que esperasse que lhe desse hipótese de se explicar. Mas eu estava magoado, ferido. Tinha que sair dali. Caminhei para a porta não voltando a olhar para ela.

- Helder espera... deixa-me explicar... - ouvi-a ainda chamar por mim.

Mas eu não esperei. Bati com a porta e saí. No momento que coloquei o pé fora de casa um arrependimento atravessou o meu coração. Mas era tarde demais."


Autoria: Lcarmo (Bela)

Capítulos Anteriores

6 comments:

Inês Valadas said...

Eu agradeço imenso, é bom saber que não estamos sozinhos, e que outros também sabem o que dói, e o que custa.
Agora imagina alguém que não é só teu amigo, que diz que gosta muito de ti, que por vezes fica do teu lado, e no momento seguinte parece já estar do outro lado do mundo?
De alguma forma, aguentas tudo isso bem até ao dia em que não dá mais. Estás demasiado cansada. E depois sai tudo. E ele dizte que é dificil. É por isso que digo que já o perdi.
Mas depois, quando ele fica perto,eu n sou capaz de ignorar, não sou capaz de não gostar dele...não sou capaz de não perdoar a dor que ele me faz sentir, e nem sou capaz de lhe mostrar que ele me faz doer.
Acho que somos todas assim...Quando amamos, não sabemos amar pouco, amar por metade.
Eu espero que consigas o que desejas, e que tenhas força...No final somos todas umas SuperGirls* :)

Muito obrigado* beijinho!

Brown Eyes said...

Ela não vai, não pode. Isto está a perturbar-me acredita.
Beijinhos

Johnny said...

Estas pessoas que nunca deixam que os outros se expliquem.

Já estou agarrado a esta história.

Poetic Girl said...

Inês, espero também que as coisas melhorem para os teus lados... bjs

Brown Eyes: Oh eu não quero que fiques perturbada!!!!! LOL... ainda não pensei no que se vai seguir... bjs

Johnny: Eu acho que as pessoas fogem das explicações. Ainda bem que estás "agarrado" ainda há mais para vir. bjs

Brown Eyes said...

Bela vou calar-me para escreveres livremente mas só te vou dizer que deixei de ler livros ou ver filmes de amor ou sobre animais porque as situações menos felizes deixam-me um bocadito em baixo. Sentimento a mais atrapalha e tenho a mania de comparar logo a história com a realidade. Quem nasceu torto tarde ou nunca se endireita, nasci assim...

Poetic Girl said...

Querida Brown Eyes: Não te preocupes que as nossas personangens não vão ter um final triste. para triste já basta a vida, apenas ainda vão ter que passar por algumas etapas para chegar á felicidade. assim sabe melhor. é mais real... mas sou como tu, mas não consigo deixar de ler nem de ver filmes, preciso disso como do ar que respiro... bjs