Sunday, March 21, 2010

Momento: a duas vozes (parte XVI)


ELA


"A minha conversa com o Miguel foi curta. Não havia muito mais a dizer entre nós, ele tinha-me na mão e sabia muito bem. Enquanto me vestia ponderei bem a minha decisão. Iria para Londres sim. Não me restava outra opção. Abri a gaveta da mesinha ao lado da cama, local onde guardava os meus compromissos, as contas que tinha para pagar. Desdobrei cuidadosamente um papel, espreitei mais uma vez o valor que vinha referido na carta e suspirei. Sim eu tinha mesmo que aceitar a proposta dele. Guardei o papel novamente e acabei de me vestir. Tentei ligar ao Helder entretanto mas ele continuava sem atender. Mordi o lábio para conter as lágrimas. Dificilmente ele me iria perdoar, esta relação não iria resultar de forma nenhuma à distância, nem seria justo para com ele, nem para comigo. Peguei nas chaves do carro e saí de casa. O dia estava bonito, mesmo para contrastar com o meu estado de espírito. Suspirei enquanto entrava no carro. Enquanto conduzia, revi mentalmente imagens que para sempre iam ficar gravadas tanto no meu coração como na minha mente. Nunca esqueceria seu sorriso, a sua gargalhada, o seu toque. Lamentava mesmo que as coisas tivessem que ser assim, mas a vida nunca é justa. Não se pode ter tudo, pensei para mim mesma. Talvez como forma de me reconfortar um bocado. Foi uma ilusão minha pensar que poderia alguma vez esquecer o passado ou fingir que ele não tinha existido. O meu tinha-me marcado de diversas formas, tantas que tinha deixado de acreditar no Amor, na Família, até na amizade. Numa dada altura da minha vida, que precisara de alguém mais do que nunca, olhara à minha volta e não tinha ninguém. As decisões mais difíceis tiveram que ser tomadas apenas por mim, com responsabilidade minha apenas. Não tinha sido fácil, mas fora assim que eu crescera. Enquanto conduzi o carro pela alameda de árvores que me era tão familiar, o meu coração bateu mais rápido. Que iria encontrar hoje? Teria havido pioras? Estacionei no sitio do costume. Por minutos deixei-me ficar dentro do carro, enquanto tentava colocar a minha melhor cara, ninguém merecia ter que olhar para mim com comiseração, e a verdade é que também queria evitar perguntas desnecessárias. Enquanto caminhei para a entrada do edifício, não pude deixar de reparar na azáfama que me rodeava. Carros que chegavam, carros que partiam. Gente vestida de batas brancas, médicos, enfermeiros... todo um conjunto de pessoas que constituíam aquele todo, que tornava a vida das famílias um pouco menos penosa quando entregavam ali os seus entes queridos. Dirigi-me como sempre à recepção para perguntar onde me devia dirigir.

- Olá menina, Marylin hoje está no jardim.

Agradeci e dirigi-me para lá. O meu olhar percorreu aquela imensidão de verde, de flores coloridas, tentei reconhecer um rosto que me seria familiar. Reconheci de imediato. Imóvel, sentado num banco de jardim. Olhei os cabelos brancos, o olhar ausente. Suas mãos encontravam-se entrelaçadas no colo, enquanto seguravam uma flor na mão. Estava acompanhada por um enfermeiro. Sorri ao enfermeiro, era meu velho conhecido já.

- Olá mãe. - cumprimentei eu enquanto lhe dava um beijo na face.

Nenhuma resposta, apenas um olhar que parecia ir muito para além de mim.

- Ela hoje tem estado assim, Marylin. Não reage. Tem estado apática.

- Mas piorou? - perguntei apreensiva.

- Não, apenas está longe, muito longe. Mas é normal nas condições dela. Tem dias que a mente simplesmente se fecha e não reage a estímulos externos.

Suspirei. Sonhava ainda com o dia em que ia chegar ali e me iam dizer que ela tinha melhorado, que tinha sido um milagre, e que poderia levá-la para casa. Mas esse dia estava cada vez mais longe de chegar. Sentei-me ao seu lado no banco. Dei-lhe a minha mão. No inicio não a agarrou, apenas ficamos ali com as mãos pousadas uma na outra. Mas depois a certo momento senti um ligeiro apertar, como se tivesse sentido que alguém familiar ali estava. Senti-me muito mais reconfortada.

- Sabes mãe, nos próximos tempos não te vou poder visitar tantas vezes. Sei que vais sentir a minha falta, mas eu não posso mesmo. Nem sei se me ouves, gostaria que pudesses ouvir, para eu te poder dizer que te amo muito, que tu és a principal razão porque vou. Quero que tenhas tudo do bom e do melhor, quero te prestar todos os cuidados que mereces, espero ainda por uma cura para ti, sabes? - apertei-lhe mais a mão. Tinha esperança que ela me ouvisse. Os médicos sempre me disseram para falar com ela, mesmo que ela não me respondesse, precisava desses estímulos. Então eu sempre que a visitava, contava-lhe tudo da minha vida. Ela sabia do Helder, da Sofia. E teria que saber claro que eu me iria ausentar. Se percebia, se alguma das coisas que eu lhe dizia ela realmente entendia, ninguém sabia dizer. Ela não falava quase nada. E o que falava eram sempre palavras soltas, sem nexo. Os médicos não conseguiam explicar o que causava o bloqueio da sua mente. Não era nenhuma doença conhecida. Apenas me diziam que ela se recusava a responder a estímulos, como se tivesse desistido da viver, e apenas vegetar, sem ficar completamente dependente fisicamente. Mas mentalmente sim.

Estive com ela as duas horas que todos os fins de semana me eram permitidas ficar. Como meio de tratamento, os médicos decidiram encurtar as visitas a uma semanal de duas horas. Nos últimos três anos da minha vida, era a minha rotina de sábados de manhã. As visitas à minha mãe. Eu era a única pessoa que a ia ver. O resto da família gostava de fingir que ela não exisitia. isso entristecia-me, mas já me tinha começado a habituar a ser sozinha a cuidar dela. Pedi ao enfermeiro se poderia falar com o médico dela. Teria que o colocar a par da minha iminente partida, do que isso poderia agravar ou não o seu estado de saúde. Foi-me indicado que ele estaria no seu gabinete. Despedindo-me muito mais penosamente que das outras vezes, abracei a minha mãe. Por segundos deu-me a impressão que tinha sentido a sua mão acariciar-me as costas. Olhei no fundo dos seus olhos e não vi nada. Nem emoção, nem carinho, nem Amor. Nada. Como se o ser que ali morava se tivesse esfumado, saído do corpo. A custo afastei-me dela, sabendo que nos próximos meses iria ser complicado organizar viagens para a vir ver, mas iria tentar, custasse o que custasse. Era minha responsabilidade e não ia abandoná-la agora. Caminhei decidida em direcção ao gabinete do director. Não me virei mais. Custava mais vê-la ficar mais pequena conforme me distanciava fisicamente. Virei costas. E não vi a lágrima que lhe escorreu pelo rosto. "

Autoria: Lcarmo (bela)

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5 comments:

Johnny said...

Mais um belíssimo capítulo.

Libelinha☆ said...

Este momento a dois está cada vez mais a ficar com aquela trama que nos agarra de tal maneira que vai ser difícil não querer saber mais, hehehe!...

Beijinhos ;P

Brown Eyes said...

Bela há sempre uma surpresa na manga. Já aprendi que contigo podemos ter, a qualquer momento, uma personagem nova ou uma nova situação. Assim sendo só vou acreditar que ela vai quando o avião partir e ela estiver abordo e, mesmo assim, ainda poderá surgir algo. Beijinhos

Poetic Girl said...

Johnny: Obrigada, assim fico incentivada a escrever mais e mais... bjs

Libelinha: A ideia é essa mesmo! bjs

Brown Eyes: Comigo há sempre surpresas. Que será que vai acontecer a seguir? nem eu sei ainda... bjs

Unknown said...

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