Sunday, March 28, 2010

Momento: a duas vozes (parte XVII)


ELE


"Levei Sofia para a casa dos avós. Ana ficou admirada com o meu aparecimento, só contava connosco no domingo à noite. Entreguei-lhe a menina sem grandes explicações e saí. Precisava estar sozinho. Eu estava literalmente assustado. Não devia ter saído assim da casa de Marylin não devia. Mas este meu feitio que quando magoado me obrigava a fugir não ajudava nestas situações. Não, não me sentia mais calmo. Pelo contrário conforme o tempo ia passando, mais angustiado me sentia. Só o simples facto de saber que Marylin ia embora, que não poderia estar com ela todos os dias angustiava-me imenso. Dirigi-me para o sítio onde conseguia ter alguma calma, colocar os pensamentos e sentimentos em ordem. Comprei um lindo ramo de Lírios Brancos e fui visitar Mariana. Era o único lugar que me proporcionava alguma tranquilidade. Ficava ali sempre por tempo indeterminado, em longas conversas com ela. Ela escutava-me, como sempre o fizera. Muitas vezes sentia as respostas dela ecoar na minha mente, como se estivessem os mesmo lado a lado sentados num café qualquer a discutir as vicissitudes da vida. Por norma era Ana que cuidava da sepultura, sempre com imenso carinho e dedicação. Tal como cuidara em vida, Ana cuidava agora ainda com mais afinco a morada da filha. Sentei-me numa pequena saliência, e ali me deixei estar. O silêncio predominava, não se via ninguém. Estava sozinho. E soube-me bem. Pude então dar largas à minha dor, exteriorizar em forma de soluços e lágrimas o que me invadia a alma. Mariana dizia-me que eu tinha que ser forte, que tinha que lutar por Marylin. Senti o seu braço no meu ombro, incentivando-me a seguir em frente, a fazer o que tinha que ser feito. Então porque me sentia tão reticente a fazê-lo? Certamente uma relação à distância não iria custar tanto assim ou iria? Era algum tempo de sacrifício, mas no fim não compensaria em vez deste sofrimento atroz? Mas eu era egoísta por natureza. Conhecia-me. Não iria suportar não a ver, não a tocar. "Mas tu superas-te não me ver, não me tocar" - ouvi ecoar na minha cabeça as palavras de Mariana. Tinha sido diferente, não tivera escolha. Se tivesse tido escolha neste momento não existiria Marylin. "Não sabes." - voltei a ouvir - "Não tentes mudar o curso do passado, não podes. Nem podes viver se suposições. Poderíamos não ter resultado." Não isso era impossível, nós tínhamos tudo para resultar. Não tínhamos? Olhei a sua foto esculpida na mármore negra, o contraste das cores vivas da fotografia com o negro da mármore fria. Com a Mariana não tivera escolha, ela não tivera escolha. Marylin, com Marylin era tudo ainda possível não era? A questão era se eu estava disposto a manter uma relação à distância, apenas viver de encontros furtivos, tal qual amantes que se encontram escondidos e casualmente. E nesta altura da minha vida eu precisava de estabilidade, tanto para mim como para a minha filha. Não podia de forma alguma habituá-la a amar alguém que só veria de vez em quando. Alguém que não teríamos em casa quando chegássemos, alguém que não lhe aconchegasse a roupa antes de dormir, lhe desse um beijo de boa noite. E eu precisava de ter esse alguém para conseguir que o meu coração deixasse de andar na corda bamba, precisava de deixar a vida de boémio, das noitadas com os amigos, que não me enriqueciam em nada, pelo contrário me deixavam ainda mais carente do que faltava na minha vida. Com a entrada de Marylin tudo tinha mudado, essa vida agora parecia-me longínqua apesar do convívio na mesma com os amigos que nunca iria prescindir, agora já não existiam aquelas noites de bar em bar. E havia Sofia. Eu estava agora cada vez mais consciente da minha responsabilidade enquanto Pai, do quanto havia sido negligente em entregar a educação da minha filha a outros quando era meu dever fazê-lo. Estava certo que tinha chegado o momento sim de assumir esse papel em pleno, estava consciente de que ao fazê-lo iria abdicar da dita liberdade que tinha, mas era o que era suposto eu fazer. Era o que eu queria fazer. Isso era decisão tomada, Sofia iria morar comigo, com ou sem Marylin. Devia isso à minha filha, devia isso à Mariana. Afinal tinha feito uma promessa não tinha? E as promessas nunca devem ser quebradas. "


Autoria: Lcarmo (Bela)

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5 comments:

Libelinha☆ said...

Ai... a grande questão ainda vai ficar em suspense... Estou aqui a sofrer pelos dois personagens!...

Beijinhos ;P

leonor said...

muito bonito :$ *

Poetic Girl said...

Libelinha: Ainva vamos sofrer mais um bocadinho. bjs

Leonor: Obrigada. bjs

Brown Eyes said...

Pois pois Bela estás mesmo a fazer-nos sofrer.
Muito bom, como sempre. Beijinhos

Poetic Girl said...

Brown Eyes: Vem aí coisas boas. bjs