Sunday, May 9, 2010

Momento: a duas vozes (parte XXII)


ELA

"A viagem correu bem. Sem percalços. Consegui dormir, aliás forcei-me a dormir para não ter que travar conversa com o Miguel que se acomodou logo ao meu lado. Quando o avião descolou, da janela vislumbrei o meu belo Porto que deixava para trás, tomei consciência nessa altura que sim que agora era a sério. Eu não estava a sonhar, ia mesmo para Londres, iniciar um novo projecto profissional, projecto esse que sempre desejara mas agora não era a prioridade na minha vida. Encostei minha cabeça na janela, tentei acomodar-me o melhor possível de forma a evitar qualquer contacto físico com Miguel, e adormeci. Quando acordei já estávamos a sobrevoar Londres, o avião iniciava então a descida. Miguel dormia também. Olhei-o de soslaio. Não era um homem feio, longe disso, era um homem até deveras atraente e consciente disso. Aí é que residia o problema de Miguel, era demasiado convencido de si mesmo, pensava que todas as mulheres se renderiam ao seu físico, esquecendo-se que uma mulher precisa muito mais do que o físico para se apaixonar. Houve uma altura na minha vida que também me deixei encantar por ele, me deixei seduzir. Mas paguei caro esse deslize quando me dei conta que não era a única a merecer a sua atenção. Tinha sido uma lição na minha vida, não mais me apaixonar por homens demasiado bonitos. O avião sofreu um ligeiro estremecer, ele abriu os olhos e deu comigo a observá-lo. Fingi olhar para outro lado. - -  -  Chegamos ao nosso destino. - sorriu
Não lhe respondi. Seguiu-se a azáfama habitual que sucede a chegada ao destino. O sair cambaleante, voltar a tocar terra firme, procurar a bagagem, passar pelo check- out, essas coisas que sucedem a um voo. Fizemos todo esse ritual lado a lado. Em silêncio. Ele já me conhecia o suficiente para saber ler em meus gestos, meu rosto, quando eu estava disposta para conversar e quando não estava. E hoje certamente não estava.
Chamamos um Táxi. Ele indicou a morada para onde nos devia levar. Algures perto de Victoria Station se bem me apercebi.
- É aí que vou ficar? - perguntei-lhe
- É um apartamento que a empresa tem aqui para estas urgências. enquanto não arranjarmos outra coisa vamos ficar lá.
- Vamos? - olhei para ele
- Sim vamos. É grande o apartamento. Não te preocupes que o apartamento é grande. E além do mais o mais tardar amanhã vai chegar outro colega de Espanha.
- Pensei que ia ficar sozinha, ter um apartamento só para mim. Não me agrada ter que dividir o meu espaço.
- É algo provisório, até te arranjarmos um sitio para ficar mais perto do escritório.
- Está bem.
Não me agradava a ideia, mas concordei. Estava demasiado cansada para ripostar, para discutir o que quer que fosse. Fui observando a paisagem que se desenrolava conforme o carro abria caminho pela cidade. Era a minha primeira vez em Londres. Sempre sonhara em ir lá, quando jovem sonhava em ir de férias, mais velha fui sonhando em vir para cá trabalhar. Esta cidade com as suas cores cinzentas, com umas pinceladas de sol que se antevia por entre as nuvens exercia um fascínio enorme em mim. Apesar de tudo ia adorar cá estar, ia adorar poder caminhar por aquelas ruas, visitar aqueles locais que apenas conhecia de revistas e livros. Se tinha que fazer isto mais valia mesmo resignar-me. E enfrentar o que estava para vir.
Chegamos ao sitio que ia ser a minha morada nos próximos dias. Miguel tratou de levar as nossas malas enquanto eu olhei mais uma vez para a cidade, começava a escurecer. O sol recolhia-se aos poucos, as cores escuras começavam a tomar conta dos contornos dos edifícios. Subi pelas escadas, não gostava de elevador, e ia saber-me bem uns momentos sozinha sem a presença de Miguel.
Chegamos ao mesmo tempo. Apartamento 6. Entramos. Um hall de entrada espaçoso nos recebia. Procurei logo os quartos. Havia vários, quatro ao todo. Entrei logo no primeiro quarto. Era amplo, acolhedor. Gostei à primeira vista. Corri para a janela e abri a cortina. A minha respiração parou. Adorei as vistas. Daquela janela observava a azáfama da vida que corria lá em baixo. Um vai e vem de carros, de gentes. Sorri contente. Gostei do pormenor da janela, na saliência onde se encaixava a janela estava um pequeno sofá instalado. Imaginei-me logo ali sentada ao fim da tarde a observar a vida lá fora ou simplesmente a ler ou a trabalhar no portátil. Era um bom lugar para me aninhar quando as saudades de casa me consumissem.
- Já instalada? - perguntou Miguel da porta.
Quando dei por mim estava mesmo sentada no sofá. - Sim é este!
- Mas ainda não viste os outros! - riu-se ele
- Não é preciso, é este mesmo que quero!.
- Anda daí ver o resto da casa. - disse-me ele estendendo-me a mão.
Olhei-o desconfiada. Hesitante entre o ir e não ir. Afinal ele era meu chefe tinha que ponderar bem o meu comportamento. Decidi ir, fingi não ver a mão estendida e fui à sua frente.
Fizemos uma pequena visita à casa, quatro quartos todos com casa de banho própria, uma sala comum, uma cozinha, e uma terraço magnifico que tinha uma vista ainda melhor que a minha janela. Sentámo-nos um bocado cá fora. Absorvendo tudo o que nos rodeava. Ao sentar-me um objecto caiu ao chão. Era o telemóvel. Nem me lembrara mais dele. Ainda se encontrava desligado. Liguei-o.
- Vou à cozinha beber água. Queres? - perguntei ao Miguel
- Sim traz para mim também. - pediu-me
Pousei o telemóvel no banco e fui à cozinha.


******************************************

Miguel ficou ali sentado embrenhado nos seus próprios pensamentos. Passou a mão pelo cabelo, estava exausto. Ouviu um sinal de mensagem. Olhou para o telemóvel de Marylin e viu que uma mensagem tinha chegado. Pegou no objecto não cedendo à curiosidade. De quem seria? Do tal do Helder? Não resistindo a um impulso súbito leu a mensagem: "AMO-TE. Esperarei por ti!". Sentiu um aperto dentro do peito. Sentiu-se sufocar. Ouviu os passos dela denunciando que estava a caminho. Sem hesitar apagou a mensagem. Todo e qualquer vestígio daquela mensagem alguma vez ter existido evaporou-se naquele seu gesto egoísta. Ela voltou com os copos na mão. Sentou-se ao seu lado. Ficaram em silêncio. Ele remoendo-se por dentro lamentando o acto mesquinho que acabara de cometer. Ela remetida aos seus próprios pensamentos. Pegou no telefone, viu se tinha sinal de alguma mensagem ou chamada perdida. Suspirou desiludida. Pousou o telefone, acercou-se mais da extremidade do terraço e ali ficou por tempo indeterminado a olhar o horizonte. Miguel sentindo-se mal consigo mesmo retirou-se. Sem uma palavra. Sem confessar o que fez."

Autoria: Lcarmo (Bela)

7 comments:

Libelinha☆ said...

Ai que nervos, lol... Só apetece dar-lhe um enxerto de porrada!...

Muito bom mesmo!...

Beijinhos ;P

Unknown said...

gostei! merecia ser publicado!

Poetic Girl said...

Libelinha: Dá vontade não dá? este Miguel... grrrrrrrr bjs

Chapeu de sol: Obrigada! Fico feliz que tenhas gostado.

Anonymous said...

Parabéns pelo seu blogger, gostei muito, ser você quiser me visita no meu blogger
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Espero que seja meu seguidor.

O Profeta said...

Hoje ofereci as cores da minha paleta
A uma amiga na sua dor
Ouvi seu choro ao meu ouvido
No fatalismo do desamor

Hoje o sono acordou-me
A nostalgia agitou suas asas cinzentas
Esqueci no acordar o ultimo abraço
E contei as nuvens que eram tantas


Doce beijo

Deia said...

Os meus pais vivem em Londres. Passam todos os dias por London Victoria Station, deixaste-me "mortinha" de saudades!
bjs

Brown Eyes said...

Pois é Linda, é o que dá não tomar a atitude certa. Ri-me com esta frase que espelha muito o pensamento de muitas mulheres: Afinal ele era meu chefe tinha que ponderar bem o meu comportamento. Ri-me porque perante um comportamento como o que ele teve, sendo ele homem, eu não tinha hesitado e já o tinha informado da sua posição perante mim. Ela está a permitir que ele se alargue e claro sofrerá as consequências ou melhor já as está a sofrer.
Bem, isto está tão bem contado que está a mexer comigo. A Marlyn precisa de ser mais decidida e mais clara.
Beijinhos